GENTE FINA É OUTRA COISA!
Em minha infância havia uma frase que era muito dita: Gente fina é outra coisa!
Até a saudosa Elis Regina pronunciava tal frase na música “Alô, alô marciano”, sucesso nos anos setenta, composição da Rita Lee e Roberto de Carvalho.
Não conhecia pessoalmente ninguém que fosse rico, até hoje não conheço, mas já imaginava que a tal frase fosse verdadeira. Não podiam os ricos serem iguais a nós. Eu achava que eles poderiam fazer o que quisessem na hora que bem entendiam. Seus filhos deviam possuir todos os brinquedos que eu desejava e também comer chocolate todos os dias.
Lembro que quando criança acreditava que seria rico, cria eu piamente nesta idéia. A vida que foi mostrando que não é bem assim. E que quem é rico não é necessariamente feliz. Obviamente, o dinheiro proporciona boas coisas. Mas aprendi que para ter uma vida digna não é preciso muito. Apenas as necessidades básicas. Um trocado para comprar um sorvete numa tarde quente, uma graninha para beber cerveja com os amigos, poder comprar o chocolate...
A vida passou. E vejam só; não fiquei rico! Aliás estou muito longe da riqueza. Porém, posso afirmar que sou remediado. Não tenho problemas financeiros. Não devo dinheiro a ninguém. Não faço empréstimos a perder de vista. Também não tenho Grand Cherokee...
Talvez por nunca ter tido muito dinheiro, não entendo os ricos. Eles raciocinam diferente de nós. O grande patrimônio causa inveja a muitas pessoas, por isso o rico está atento o tempo todo para que ninguém arranque de suas mãos as coisas que conseguiu.
Trabalho em uma instituição pública. Mais precisamente numa escola pública. O dia a dia do funcionário público de escola é normalmente pacato. Sem grandes novidades. O que mais pode estressar-nos são as traquinagens dos alunos e seus reiterados palavrões.
- Seu filho da *!*!-*!
- Vai toma no seu !*
- Caral...Porr...Put que Par...
Escutamos estas palavras o dia inteiro. Já nem chocam tanto. Faz parte de nossa labuta diária.
Nos arredores da escola em que eu trabalho há casas de alto-padrão. Enormes, lindas, bem decoradas, bem pintadas, sonhos de consumo. E óbvio, se há casas de alto-padrão, seus moradores são ricos.
Os alunos da escola provêm dos morros e favelas que existem nas redondezas. Gente extremamente carente. Alguns vêm somente para comer. Aliás a escola fornece tudo, menos educação de qualidade.
Um dia estava trabalhando no período noturno, quando recebi uma ligação de um de nossos abastados vizinhos:
- Escola pública, boa noite!
- Boa noite, com quem falo?
- Meu nome é Márcio, posso ajudar?
- Eu sou um vizinho de vocês e gostaria de falar com a mais alta autoridade desta escola!
Não tive dúvida de que tratava com alguém que não raciocinava direito, então respondi:
- Pode falar senhor, a mais alta autoridade desta escola sou eu.
- Eu gostaria que o senhor usasse sua influência com a administração pública para resolver este problema de falta de luz.
Faltava a luz na rua, porém não nas casas. E o homem continuou:
- Já liguei para a Eletropaulo, e disseram que vai demorar 48 horas para luz voltar. Isso é um absurdo! Não podemos ficar sem luz esse tempo todo, é muito perigoso! Por favor o senhor poderia nos ajudar?
A solicitação do homem era absurda. Eu não tinha influencia nenhuma na administração pública, era um simples funcionário, e mesmo que tivesse alguma influência, não é assim que as coisas são resolvidas. Mas, para não decepcionar o homem, disse:
- Fique tranqüilo senhor, vou falar diretamente com o prefeito, essa situação será resolvida em poucos minutos.
O homem me agradeceu e desligou o telefone. Eu desliguei o telefone rindo muito. E contei para o meu colega que também riu muito e falou:
- Mas que idiota! Pensa que pode resolver tudo num telefonema. E rimos muito. Pensei comigo: Gente fina é outra coisa!
Passaram cinco minutos, e a luz da rua voltou.