CANTO DE MENINO

Tudo em você tem o jeito que me encanta. O riso, a fala, as mãos. Percorro a tua imagem em busca das perguntas que deixas no ar. Responderia a todas se pudesse estar a meio centímetro da tua boca. Nada faz sentido aos domingos, sobretudo quando chove. É como se o dia chorasse em nós. E quem somos? Parecemos tanto um com o outro que até nos conjugamos.
Adivinho teus pensamentos e tu antecipas meus desejos. Esta vontade de estar há tempos passados, cavoucando as memórias que esquecemos de guardar. Mas que não perdemos. Sou feliz só de te ver. De saber que estás em algum lugar. Tua beleza perpassa o espelho. Fere a minha retina que se esbagaça no meio da sala de jantar sem que nada ou ninguém perceba.
Te trago colado no corpo. Te levo de um lado a outro e te mostro jardins ainda intactos. Escrevo hoje porque contrario a minha indignação de existirem palavras aos domingos. Um dia com gosto de sal. Só mesmo a tua presença rompe este estigma de milhares de anos em mim.
Beijo-te agora como quando éramos crianças. Me agrada a saliva deste amor sem interrupções. Amor sem chances de acabar ou de envelhecer. Amor lapidado em meio a desencontros pelos quais jamais nos demos conta. Nada invalida este sentimento. Não há distância forte ou grande demais para desfazer o nosso nó. Estamos ancorados e, mesmo assim, percorremos todos os mares.
O belo da tua tristeza é que ela está longe de ser triste quando nos vemos e nos temos. Transmutamos nossas mãos dadas em toques de teclados. Segredamos nossas igualdades sem temer errar, sem desistir de desafiarmos as probabilidades do erro. E os erros acontecem, existem, persistem. Mesmo quando nos abraça fortemente o prazer das certezas.
E assim nos esperamos. Não há ponteiros nesta história. Tudo nos entorpece e nos desconserta. Somos brinquedo um do outro. Podemos nos quebrar, nos perder, nos achar. Sempre saberemos onde está a peça que falta. O amor que deveríamos ter sorvido mais. Mas se não o fizemos, o que importa? Ficou a vontade e esta nos mantém famintos um pelo outro. Esta vontade nos alimenta.
E teus olhos que ardem, simplesmente gritam. E posso te escutar de olhos abertos ou fechados. Nos escutamos com os olhos. Nos enxergamos nos sussurros enclausurados pelos gritos de outras pessoas. Elas falam alto demais. Mas nossa voz é mais potente, porque o silêncio da ausência física sublima a falta óbvia. Somos caídos de planetas perdidos. Estamos sós. Só nos dois. Não há mais nada ou ninguém.
Te escrevo e te leio. És meu livro de cabeceira. Minha prece antes de adormecer. Gosto que não estejas. Gosto de guiar tuas mãos pelo caminho cego das promessas que nunca fizemos. Posso te ter agora. Posso te ter a qualquer instante. Posso passear minha língua pelo teu corpo e escrever amo-te com tinta de eternizar. Aí está a nossa maior grandeza: poder amar e amar somente.
Sorria. Sorria sempre. Mesmo quando não te pedir. Teu sorriso lança estrelas no caminho de barro onde por vezes me atolo. É nele que me apego para não sufocar. E fecho os olhos para ver teu sorriso de domingo e de tantos outros dias.
A saudade é a linha mais tênue que temos. E não se parte. Ninguém corta. Este fio invisível e aparentemente frágil nos conduz nas alturas por onde corremos na ponta dos pés. Não queremos que os outros acordem. Não queremos ser achados. Estamos assim. Somente você, eu e nossos corações imortais. Feche os olhos para tudo. Até para mim. Vamos seguindo em paz. Vamos nos mordendo para tecer relicários de carinho em nossas almas unidas e únicas, ainda que não gêmeas.
Menino lindo. Menino grande. Menino parado na minha frente sem saber o que fazer, o que tocar. Menino meu. Só meu. Guarda cabelos grisalhos para o meu cafuné de daqui a pouco. Guarda minhas mãos passeando pelo teu corpo como quem se joga sem pára-quedas do morro mais alto. Vem que te apanho. Não vem e te apanho mesmo assim. Pega eu que eu sempre vou te pegar e te dar colo. Bebe dos meus seios a seiva que parece te faltar por vezes. Suga quanto e tanto tudo que precisares. Fica. Nunca deixe de estar. Eu te quero de todos os jeitos porque em tudo me encantas.


13/07/2008; 18h31 (8 – 1= 7; 31 invertido = 13). Domingo.
Iza Calbo
Enviado por Iza Calbo em 14/07/2008
Reeditado em 25/07/2008
Código do texto: T1079083
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