A pacatez de um homem feio
Adam não era violento, nunca se envolvera em cenas de pancadaria, era recatado, sossegado. Tinha, no entanto, um defeito: vivia em desassossego por causa dos ciúmes que a namorava lhe despertava. Normal. Muito normal. Toda a gente sente ciúmes. Pelo menos, é o que se costuma dizer. E os ciúmes de Adam costumavam ser leves e recatados.
Helena era loira, bela, poética, musical. Adam era feio, careca e corcunda.
Mas nem todos os dias são vividos da mesma forma.
Certa vez, tendo saído mais cedo do trabalho, Adam decidiu fazer uma surpresa à namorada, que estava, como de costume, nas aulas de italiano. Para surpresa dele, quando estacionou o carro viu a namorada aos beijos a um belo rapaz, que fazia lembrar um príncipe. Enervado, sem saber como reagir a tão perturbadora situação, o feio homem puxou por uma folha de papel e desatou a escrever: «O que foste fazer? Não gostavas de mim o suficiente para me concederes o direito de exclusividade? Por que és tão cabra e me tratas dessa forma? Não aguento mais isto? Foi a gota de água. Olha para ti, a dez metros de mim a beijar um tipo que não eu. Olha para ti. Não. Olha para mim? Não me queres beijar agora, pois não?»
Parou. Estava demasiado enervado para escrever. Respirou. Inspira, expira. Inspira. Respirou fundo. De repente, encheu-se de raiva, e os olhos que antigamente eram mansos, naquele momento, estavam cegos. Bateu com a porta do carro e dirigiu-se à namorada. Empregou-lhe uma joelhada no estômago. Por seu lado, o príncipe engoliu dois murros no queixo e desmaiou meio amedrontado. Helena tinha sangue na boca. Levaria ainda uma sapatada na testa.
Em casa, com sangue nas mangas da camisa, na cara e nos dentes, Adam procurou um espelho. Quando o encontrou, pôs-se a observar-se obsessivamente. Desatou a rir e a balbuciar: «Não prestas, não prestas. Mata-te. Morre. Cai.»