Dança ao vento
Seu sonho era assistir à queima de fogos em Copacabana. Desde que vira a primeira vez pela televisão ficara com vontade de ver de perto, sentir o cheiro da pólvora queimando, de estar no meio da multidão e no dia seguinte dizer aos colegas: “Eu estava lá.”
Marcelo tinha uns 12 anos e morava em Caxias, na Baixada Fluminense, e nunca tinha ido à Zona Sul. Não, não é todo carioca que conhece a Zona Sul. E a distância não é tão grande, grande mesmo é a diferença financeira e social. E Marcelo fazia parte do quadro que estava muito distante social e financeiramente – anos-luz.
Uma vez quase foi à praia com um tio, mas o ônibus quebrou no caminho e o tio achou melhor voltar, a contragosto do garoto, é claro, mas menino não tem voz. Não os da Baixada. Os da Zona Sul mandam nos pais, vão pra onde querem, dormem na casa dos amigos, das namoradas, passam feriadões na Região dos Lagos, na Califórnia... E Marcelo nunca saiu da Baixada; nem ele nem milhares dos meninos de lá. Vivem enfiados nas favelas, e o único divertimento é a lan house próxima de casa e o mundo do outro lado só se ver pela televisão.
Mas agora iria à Zona Sul, a Copacabana, ver a queima de fogos. Era o presente de Natal que ganhara dos pais. Já haviam até comprado os bilhetes do metrô. E metrô é bom porque tem ar condicionado e não quebra. Juntara umas latinhas pelos botecos vizinhos pra ganhar um dinheiro e gastar na praia. Acreditava que lá havia muitas coisas gostosas, diferentes dos cachorros-quentes e dos hambúrgueres da favela. E os gringos que falavam línguas estrangeiras... Se ao menos tivesse aulas de inglês no seu colégio talvez pudesse falar com um estrangeiro na praia. Tiraria a maior onda! E as meninas de lá também eram muito bonitas... Mas bonito mesmo eram os fogos. Não falava inglês, não podia nem pensar em “ficar” com uma garotinha da Zona Sul, então era melhor se concentrar na queima de fogos. Era o bastante.
Chegou o grande dia. Marcelo acordou mais cedo, tamanha era a ansiedade. Lavou os tênis e colocou-os para secar ao sol, na laje; separou a bermuda, camisa e boné e deixou lá, como uma armadura esperando pelo momento da batalha. Almoçou pouco, não queria comer muito. Melhor seria comer na praia, à noite. Tinha dinheiro. Disse à mãe que estava sem fome, que tinha feito um lanche na casa de um amigo. Depois do almoço não largou o pé do pai, o tempo todo olhava pro relógio. Sairiam às três da tarde. Conferiu a carteira e o bilhete do metrô. Tudo certo.
Lembrou-se dos tênis, já deviam estar secos. Subiu a laje correndo, pegou-os no varal e uma bala atravessou seu peito. Seu corpo foi jogado pra trás, quase sem vida. O pai o pegou nos braços, chorando, enquanto o menino parecia dançar ao vento, com os olhos brilhando, vendo a queima de fogos, os gringos, as menininhas da Zona Sul, os petiscos apetitosos do calçadão... um sonho ficado pra trás.