As cores de Dito

Ele chega aos tropeços no prédio branco com janelas escuras. Está aflito para alcançar sua mesa de trabalho antes que o chefe o veja chegando atrasado depois de tantos avisos e ameaças. Dito não tem jeito mesmo. Ele sempre vai dormir muito tarde, quase de madrugada, e depois não consegue acordar em tempo de chegar ao trabalho sem atravancos.

Todos os dias têm sido a mesma coisa. Nessa manhã, porém, ele tem razões de sobra para não se atrasar. O chefe o aguarda para reunião de conclusão das reformas. E para chegar a sua sala, antes passa pela sala de seu chefe. Não dá para não ser visto.

Dito cuida do departamento de manutenção há três anos e dá conta do serviço, mas projeta certo desconforto nos colegas por causa de seus costumeiros atrasos. Sua competência não é maior que seu descuido. Uma obra de melhorias e modernização acabada de deixar o prédio todo bem colorido: por fora branco com vidraças escuras, mas por dentro as cores berram estampadas nas paredes e nas persianas verticais. No terceiro andar onde trabalha, o corredor dos elevadores estão amarelos, a recepção é verde, o corredor interno é todo verde-claro, a sala do chefe é azul, a dele é abóbora. Cada sala ou espaço tem sua própria cor. Assim os departamentos podem ser visualizados pelos clientes e reconhecidos por suas cores. Toda a reforma comandada orgulhosamente por Dito.

Nesse dia ao chegar ao terceiro andar sente um arrepio quando se vê no espaço amarelo ouro, e segue quase em estado de desespero para a recepção verde. As cores vão achatando o rapaz contra as paredes. Em largos passos, quase em correria, ele adentra pelo corredor verde-claro que o sufoca. O azul o espera e este sim vai esmagá-lo assim que entrar. Lá está o azul gritando seu nome. A cor da chefia. Dito apressa-se ainda mais. Sua camisa está úmida, seus cabelos desalinhados, sua testa cheia de gotas de suor que escorrem pelo rosto. Entra desajeitado na ala azul que está vazia e isto o surpreende. Vê que pode ter a sorte de ter chegado antes do chefe e corre para sua sala de maneira destrambelhada. Lá dentro o chefe o aguarda juntamente com as paredes abóbora. Um aperto no peito o constrange e ele não consegue falar, nem sorrir. A ponta do lápis teimosamente bate e rebate sobre sua mesa de madeira. Ele permanece imóvel à porta. É o fim! – pensa - de hoje não passo! O chefe balança levemente a cabeça e o despede friamente. Realmente, é o fim! – pensa ele. Dito não se defende, pois tem conhecimento de suas faltas.

Volta-se e vê sua funcionária Bernadete incrédula. Já conhece os procedimentos. Recolhe sua agenda e o guarda-chuva, e segue a lerdas passadas com o peito apertado. Dito caminha de volta, agora lentamente. Respira apertado. O que dirá para a esposa? E os filhos? Que vergonha! Teve comportamento irresponsável durante três anos e está sendo punido feito criança. Está sendo excluído do quadro de funcionários. Ele sai da abóbora e agora o azul não mais o esmaga. Passa pela sala vazia do ex-chefe e olha por um segundo o cronograma da obra belíssima que está pronta. Caminha enquanto acena para os colegas. O corredor verde-claro agora lhe parece mais leve. Mais adiante a recepcionista verde lhe concede um sorriso penalizado, e ele se apressa para esperar o amarelo do elevador.

Nunca mais voltará àquele edifício. O acerto final de contas é num outro prédio. Sua vergonha o consome e o faz diminuir. O relógio amarelo mostra que ainda são nove da manhã. É cedo para que alguém seja demitido, mas é tarde para o Azul.