Cotidiano

São seis horas da manhã, as janelas estão fechadas, as cortinas cerradas, as portas trancadas e as luzes ainda apagadas no apartamento de Saraiva. O único som que se ouve é a voz rouca do homem solitário, vindo do banheiro. Ele sussurra algumas coisas incompreensíveis enquanto aciona o chuveiro e deixa a água morna cair sobre sua cabeça.

Saraiva está aposentado há anos e isso faz com que ele passe suas horas dominando um controle remoto de televisão. O lado de fora de sua casa existe apenas atrás da vidraça suja de sua janela. Todos os outros personagens de sua vida estão na tela da tevê.

Sua mobília quieta e escura parece estar adormecida recostada pelas paredes frias. Sua cama, há meses coberta pelo mesmo lençol, está cansada do pesado e quase inerte corpo de Saraiva.

Suas ações são facilmente presumíveis.

A mesma poltrona de todos os dias, o acolhe. Os olhos fechados e as imagens começam a voltar a sua mente. Lembra da esposa já falecida, que nesta hora lhe prepararia um café quentinho. Aborrece-se ao pensar nos costumeiros compromissos que lhe faltam para o dia: o jornal que chega antes do almoço e que ele tem que recolher por baixo da porta, sem precisar lê-lo. O funcionário da companhia de energia que virá para fazer a leitura do relógio. O entregador de lanches que toca a campainha sempre ao meio dia.

Cochila muitas vezes entre uma programação e outra. Vai ao banheiro e não se incomoda com os respingos que ele não vê, mas que sabe que estão na beirada do vaso. Iracema o faria limpar.

Há tempos o relógio do corredor parou de marcar as horas, mas isso também não o incomoda.

Vai se deitar quando escurece, mas antes veste o pijama surrado.

São seis horas da manhã, as janelas estão fechadas, as cortinas cerradas, as portas trancadas e as luzes ainda apagadas no apartamento de Saraiva. O único som que se ouve é a voz rouca do homem solitário, vindo do banheiro. Ele sussurra algumas coisas incompreensíveis enquanto aciona o chuveiro e deixa a água morna cair sobre sua cabeça.

Os olhos fechados e as imagens começam a voltar a sua mente. Lembra da esposa já falecida, que nesta hora lhe prepararia um café quentinho. Aborrece-se ao pensar nos compromissos que lhe faltam para o dia. Desliga a água e protege-se na surrada toalha azul de todos os dias. Pensa na sua rotina, no tempo que passou tão depressa, nos seus cabelos brancos, no cansaço que já o domina, e caminha devagar até o espelho que o espera, implacável, para revelar sua solidão.