Escolhas...

Escolhas...

Numa manhã nebulosa desembarquei no aeroporto da Flórida. O avião estava lotado e com certeza muitos eram como eu. Os passageiros cansados sorriam ao chegar. Senti um vazio enorme me invadindo, tanto que me causava fraqueza nas pernas. Carregava enormes malas com a minha vida dentro delas. Não pretendia mais voltar para casa e essa decisão me trazia desconfortos emocionais facilmente explicáveis. As malas apertadas com roupas, documentos, fotografias, literatura brasileira, e um pequeno dicionário de inglês/português que é tudo que tinha para me ensinar o novo idioma. Com poucos dólares na carteira, um passaporte legal com visto de entrada nos Estados Unidos da América, e o meu retrato abraçando meu marido e meus filhos. Esta sou eu, uma desertora. Amedrontada, desembarquei. Optei por nova morada, nova terra, nova pátria. Esperava que ela me acolhesse. Através da vidraça olhei para as ruas abarrotadas de carros grandes e coloridos, casas sem muros, homens estranhos para o gosto abrasileirado que tinha, gente nova para meus olhos paulistanos.

Andei pelos corredores do aeroporto com olhos assustados, quase vacilantes, com as malas desengonçadas escapulindo vez ou outra de minhas mãos pequenas. Pela cabeça transitavam imagens da minha história. Permaneci trabalhando no escritório da imobiliária do João Hotelo na esquina de casa por muitos anos, desde que me casei. Era confortável. Confortável demais. Chegava a me irritar. Tudo era fixo, nada mudava em nossa vida. Meu marido sempre foi funcionário da loja de calçados que fica na praça central do meu bairro. Não precisávamos de automóvel para chegar ao trabalho. Os filhos sempre estudaram na escola ao lado da imobiliária. Uma facilidade e tanto! Uma mesmice sem limite até que tudo foi me chateando a ponto de querer partir em busca rumo novo.

Ao desembarcar já me senti em casa! Já comecei a ser americana naquele dia.

Acordei estranha na manhã seguinte. Meu peito doía de saudade de casa. Sentia-me uma foragida e isso me fazia mal. Mas relutei. Levantei-me ainda cedo e saí para fazer reconhecimento da casa que me acolheu. Mais tarde caminhei pela rua, de olhos atentos para as expressões dos americanos. Parecia que eles sabiam que eu desertara. Tive a impressão de que eles sempre saberiam.

Depois do almoço fui conhecer o escritório que me abrigaria pelos próximos mêses. Tudo era novo e fantástico. A saudade também era nova mas dolorosa. Relutei de novo. Dois dias depois estava eu em aprendizado na Clean Home. Atrapalhava-me muito com meu "inglês" fraquinho, mas me fazia entender. Era divertido ter que vencer tantos obstáculos simultâneos. O meu expediente nunca terminava. Levava trabalho para casa, pois tinha pressa de aprender, de enfrentar com naturalidade aquela vida nova. O peito doía de remorso por ter abandonado a família. Escrevia cartas todos os dias. Telefonava dia sim dia não. Tinha medo de perder o controle, de perder a infância das crianças, de me perder, de descobrir que a minha vida lá atras não era tão boa para se ter tanto remorso.