Coqueiro interiorano

Alguém de vocês, pacientes leitores, já se imaginaram passar por um coqueiro. Plantado numa esquina de uma cidade do interior, não podendo fugir do roteiro – folhas pra lá e pra cá? É tão óbvio quanto a aparição do papa na sacada da “Praça de São Pedro”, no Vaticano, todavia, e se o papa não aparecer? Insiste-se até o derradeiro segundo? E qual será este segundo? O que isso tem a ver com os tais coqueiros? Sei lá!

Todas as pessoas olham espantadas àquele coqueiro humano. Passam uma, duas, até três ou quatro vezes pelo mesmo local, esperando não encontrar mais aquele espécime raro. E lá está ele! Plantado, e com raízes profundas, dispostas a buscar o veio d’água, esteja ele na profundidade que estiver, e assim, valerá o risco? Quem deve responder a esta questão é o coqueiro. Ele foi o perfeito idiota que se plantou naquela ensolarada, todavia, esquina por demais charmosa.

O povo do interior ainda se afugenta de algumas novidades. Ou devemos considerar o coqueiro como um desconforto aos princípios básicos das civilizações provincianas? Repito, o coqueiro é devedor, ainda que em tempo algum, desta resposta.

O coqueiro, sensibilizado, responde: o azul do céu de Araras não é o mesmo azul do céu de São Paulo. O sol que arde por cá, não é o mesmo sol que arde por lá. A maneira de se cumprimentar por cá, não é a maneira de se cumprimentar por lá. Os salgadinhos vendidos nos bares de cá, não são os mesmos salgadinhos vendidos nos bares de lá. Os passos das pessoas de cá, não são aqueles passos apressados e desencontrados das pessoas que andam por lá. O charme dos carrinhos de sorvete de cá, não são como a grosseria dos carrinhos de sorvete de lá.

No céu do interior falta o charme e a beleza da poluição. Aquela massa densa e ofegante de monóxido de carbono não embeleza nem irrita os olhos dos olhares interioranos. Isso. O céu do interior é monótono. As nuvens são sempre as mesmas. Não existe aquele espírito nômade das nuvens metropolitanas, estas sim, bailam nos céus, e carregam consigo amores e desamores, rumando de leste a oeste, de norte a sul com a mesma desenvoltura, rapidez e sensibilidade, enfim, passeiam completamente descontraídas e desembaraçadas pelo céu. São dinâmicas. As nuvens no céu do interior são extremamente enfadonhas e sonsas. Irrita o mais calmo dos pacientes. Pode-se brincar de desenhos imaginários olhando para as nuvens interioranas. Há brincadeira mais cretina que imaginar?

Os raios solares do interior são como lavas de vulcão colocadas próximas ao nosso delicado corpo. Queimam nossa pele sem pedir licença. São raios mal educados pelo seu criador. Um brilho sempre brilhante, sem falhas nem interrupção. Na metrópole é diferente, pois os raios solares aparecem e somem num piscar de olhos. Não têm tempo suficiente para depredar com a nossa meiga epiderme. O sol é gelado na capital.

As mãos no interior servem também como instrumento de abordagem. Levanta-se um dos braços – preferencialmente aquele que no momento estiver desocupado –, juntando todos os dedos da mão – se é que há dedos na mão do abordador –, e então, num processo estabelecido como regra, grita-se o nome do cumprimentado o mais alto que puder – desde que não seja mudo, ou tenha problemas nas cordas vocais, e também se deve observar se o interlocutor não é surdo. Nas ruas e avenidas paulistanas, os transeuntes e também os motoristas fazem questão absoluta de passarem por todos os transeuntes e também por todos os motoristas, e, não dão a mínima atenção, visto que, necessitam ocupar os espaços deixados vagos por transeuntes e motoristas que abandonaram por qualquer motivo os seus espaços. Ocupar desordenadamente e estupidamente espaços vagos faz parte da tradição paulistana. As mãos acompanhadas dos seus respectivos braços, geralmente se ocupam de achincalhar os mais desatentos. As vozes ouvidas são para mandar os desligados para lugares não muito recomendáveis. São mundos completamente diferentes nestes aspectos e em quase tudo não se parecem, nem mesmo mantém qualquer semelhança. O cumprimento nem sempre é verdadeiro, enquanto isso, o xingamento é sempre verdadeiro, embora nem sempre é aceito de bons grados.

Prefiro não comentar sobre assunto gastronômico. Este, ainda que de bom grado, me dá fome. No momento, e este é o momento, não estou com dinheiro suficiente para satisfazer o meu amigo estômago: nem na capital, tampouco no interior. Assumo, periodicamente, um jejum forçado. Nutrir o meu organismo com os nutrientes básicos e necessários é o mínimo que exijo, embora quase sempre – e escrevo quase sempre porque é quase sempre – o meu estômago não receba a sua parte no acordo que fizemos quando do meu nascimento. Por estas, e também por outras razões que não vêem ao caso, me recuso terminantemente a escrever, a falar e até mesmo a pensar sobre guloseimas, aliás, neste momento a considero como uma palavra maldita.

Deixo de mencionar os prazeres vividos na degustação dos sorvetes pelos mesmos motivos mencionados anteriormente a respeito da gastronomia. Sorvete é alimento. E alimento é uma palavra rara no meu vocabulário da vida como a vida é.

Prefiro os passos lentos dos andarilhos interioranos. Todos pensam que sou um coqueiro estático e sem função alguma. Não. Tenho os meus movimentos cadenciados e ritmados de acordo com a minha inoperante rapidez, ou seja, sou como o bicho-preguiça que se movimenta apenas para não estar sempre no mesmo lugar. Seria preguiça demais, mas não.

As passadas paulistanas são sempre frenéticas e instáveis, motivo pelo qual existe por lá um sem número de fisioterapeutas. Afinal, os músculos, principalmente o das pernas, se distendem com extrema facilidade, pois são obrigados a exercícios descompassados e sem o menor sentido prático. Rapidez. Parada brusca. Rapidez novamente. Parada brusca novamente. E assim até conseguir marcar uma consulta em algum fisioterapeuta – a grande maioria destes profissionais não têm registro em qualquer conselho médico, mas confesso que nunca perguntei a um deles se esse registro é necessário. Não há corpo humano que suporte a tantas variações perniciosas. Repito, prefiro as poucas variações, e, preferencialmente, as passadas lentas do interior.

Será que este coqueiro que lhes escreve, respondeu a curiosidade de tantos curiosos? Conseguirá o mais intrépido dos curiosos chegar a este ponto e entender a finalidade de tanta inutilidade?