O Iceberg
Tomou a dose de uísque num só gole. Era a terceira, agora sem gelo. As duas anteriores, com bastante gelo (a namorada gostava de dizer, divertida, que tinha um iceberg no copo), ele degustou, pausadamente, antegozando o momento em que ela entraria, cumprimentaria com sorrisos um que outro conhecido, saltitando viria em sua direção e se atiraria em seus braços, os dois se entregando num beijo apaixonado, longo e molhado (do uísque dele e da saliva quente e adocicada dela). Depois o comentário do iceberg, o pedido de um vinho branco suave bem gelado e a próxima entrega, em carícias, tão lascivas que faziam enrubescer o barman.
Isso tudo (ou quase tudo) na imaginação dele, claro. Porque ela sempre entrava abraçada com algum cara, fazendo o maior fiasco, bebericando nos copos que lhe ofereciam (e eram muitos!), até chegar a ele e cair bêbada em seus braços, depois de empurrar o sujeito com quem entrara. O resto da cena era real – o beijo, o iceberg, o vinho branco, as carícias e o barman enrubescido. Se bem que o beijo, da parte dela, era meio gosmento, recendendo a um coquetel de cachaça, cerveja e vinho. E o comentário ao gelo saía na voz arrastada – bah, parece um aichberg!, seguido de um ruidoso soluço.
Foi nessa dose de uísque, a terceira, que ele decidiu: entrasse ela agarrada a qualquer sujeito, viesse em sua direção amealhando os copos de cerveja, iria levar o maior sopapo do mundo. E depois um fora. Porque ele já estava cansado daquela dependência ridícula, de se expor daquele jeito, mendigando um pouco de afeto. Só que nesta noite ela não apareceu, Parece que adivinhou, simplesmente não apareceu. Nem mensagem mandou pro celular – onde ele olhou a hora, concluiu que ainda era cedo e pediu mais uma dose. Com bastante gelo. “Um aichberg”, imitou o barman, logo enrubescendo, achando que o outro não gostara da brincadeira.