Valsa

Lentamente acompanhei seu desfile em direção ao centro do salão. A certeza do momento acelerava a ansiedade e fazia o terno pesar nos ombros. Meu olhar seguiu seus passos sem que fosse percebido. Estaria sempre presente, mesmo que apagado na multidão. Ao ouvir as primeiras notas me senti tranqüilo, mas tive a confirmação de que poucos instantes me separavam do toque de suas mãos. Imaginei-me atropelando o muro de pessoas que me impedia de enxergá-la e esbravejar o que sentia. Faltava pouco.

O movimento dos corpos coordenava o salão, emudecendo qualquer manifestação entre o que assistiam seus passos. Minha vontade, no entanto, era ignorar as regras de conduta e berrar com o peito escancarado – “Não vivo sem seus olhos, beijos, sorrisos, carinho!” Senti-me sozinho com meus pensamentos, mas cada vez mais confiante. A espera maltratava as sensações. Resistiria para sempre sem reclamar do cansaço. Sofreria, com satisfação nos lábios, qualquer espera que levasse ao seu encontro. Nunca a deixaria sozinha.

A música, repleta de significado e força, estava cada vez mais longe. Sem que percebesse parou. O anúncio ao microfone estimulou os batimentos e fui de encontro a ela. A dificuldade em desviar dos rostos desconhecidos acelerava o tempo, retardando meu encontro. Desvencilhei-me dos últimos casais, que já ensaiavam movimentos, e alcancei seu abraço. Arrependi-me por não ter seguido o brilho dos seus olhos enquanto a procurava. Seria mais fácil. Após abraçá-la desculpei-me e jurei que nunca mais atrasaria nosso destino.

A retomada da valsa acalmou a ansiedade. Após correr por tantos anos poderia, carinhosamente, beijar sua face e me entregar. Cada gesto refletia um sentimento. O toque protegia, o beijo acalmava, o sorriso encantava, o olhar emocionava. Os casais desapareceram, as luzes se apagaram, o mundo acolheu nossos corpos e permitiu que ficássemos a sós. Agradeci cada instante com as pálpebras apertadas. O choro era proibido.

Subitamente a música parou. Enquanto todos se reorganizavam e procuravam, com esforço evidente, os próximos pares, continuei abraçado. O medo da ausência fez com que não a soltasse. O abraço soava longo e me convidava a ficar mais. Cada instante em seus braços despertava a alma.

Trocaria a vida por segundos como aqueles.

Felipe Valério
Enviado por Felipe Valério em 01/02/2006
Reeditado em 14/11/2006
Código do texto: T106959
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