Laços de família
Consta que Zé e Maria tiveram dois filhos, um casal, que ficou junto com eles até a adolescência e depois cada um procurou seu rumo.
Trilharam separadamente os caminhos que a vida lhes traçou. A menina casou cedo com um comerciante vermelho, e tão logo se uniram já veio o filhote. O casamento não demorou e foi se desmantelando por conta do machismo do vermelhinho. E assim se deu a separação que rendeu à já senhora, um filho e nenhum lar, nenhuma pensão, nenhum afeto, nada. Mas com todos os atravancos da vida, ela não retornou aos braços paternos, ficou firme com seu bebê, ora aqui ora acolá tentando sobreviver.
Ele, o jovem filho do casal Zé e Maria, trabalhador, também imediatamente se casou, mas o casamento desmantelou-se depois de terem tido um menino que chamaremos de Hugo. O jovem descasado pai, não podia cuidar de Hugo por causa de sua labuta que o fazia ficar o dia todo no trabalho, então recorreu ao socorro dos braços maternais que o acolheu com carinho. Hugo então passou a ser criado pelos avós paternos. Era neto e filho querido, simultaneamente.
O tempo fez surgir muitas cicatrizes nas vidas desses irmãos, mas lutaram sempre com altivez e muito riso.
Ele solitário logo se engraçou com outra mulher, também descasada e com duas filhas, que morava em Guaratinguetá. As crianças já estavam crescidinhas e não davam nenhum trabalho. O ex-marido dava-lhe uma gorda pensão para sustento das meninas, e ela então estava financeiramente tranqüila, o que dava ao nosso jovem mais confiança de ir ficando com a jovem senhora. Seu filho, Hugo passava as férias com a nova família em Guaratinguetá. A união estava durando mais de 10 anos já quando a crise conjugal começou a afetar o relacionamento. Ele então voltou para sua solidão.
Sua irmã continuava na labuta com o filho que já tinha uns doze anos de idade.
Hugo que morava os avós numa pequena cidade do interior paulista vinha passar as férias escolares com o pai num apartamento de um dormitório no centro de São Paulo.
Muito tempo se passou e um dia a campainha da casa de nosso jovem descasado soou numa noite fria de maio. Ele ficou surpreso quando deparou com uma moça e duas crianças, um casal, à sua porta. Ela foi explicando que era a filha da ex-mulher dele, aquela que morava em Guaratinguetá.
Perguntou se ele não a estava reconhecendo, no que ele respondeu que a reconhecia vagamente. Ela então disse que era a Juliana, a caçula. E ele se lembrou bem da criança bonita que ela era e observava com atenção a mulher madura e muito charmosa que ela se tornou. Juliana pediu para entrar, e ficar por alguns dias pois o marido tinha se tornado muito violento e os mandou embora de casa. Ela precisava de um teto e um trabalho para sustentar os filhos. Era madrugada e ele não pode dizer não. Acolheu-os.
Na manhã seguinte ele se levantou e a mesa do café estava posta com pães, bolo de fubá e um suco de laranja para ele. Notou que ela se lembrou do suco de laranja que tomava todos os dias no café da manhã desde que ela era bem pequenina. Ficou surpreso com tudo. Gostou de ser esperado outra vez. Mas, após a reunião matinal ele iria falar com ela e pedir que voltasse para a casa de sua mãe, mas ela foi antecipando que sua mãe morava com um homem sisudo e violento, e que ela jamais voltaria para sua casa. Sendo assim decidiu que os acolheria até que ela arranjasse um emprego e alugasse uma casinha.
À noite quando nosso jovem voltou do trabalho, sentiu o perfume de limpeza ao abrir a porta, o aroma da comida caseira que estava sendo preparada, e teve muito prazer de entrar em sua própria casa. Agora parecia até um verdadeiro lar, com mulher, crianças pela casa, comida fresca, roupa no varal, e cama arrumada. Ele ficou contente. Teve pena de ver a moça dormir no chão da sala, e as duas crianças empilhadas num sofá de dois lugares, enquanto ele dormia sozinho numa enorme cama de casal num quarto imenso e bem arejado, por isso na noite seguinte trouxe mais um colchão de solteiro e o colocou no chão para as crianças dormirem melhor. Foi assim que, aos poucos, Juliana e nosso protagonista passaram, estranhamente, a dormirem juntos. Ela, enteada dele, agora esposa. Ele, padrasto dela, e quase avô das crianças, agora marido. A que era sua esposa antes, mãe de Juliana, passou devagar a ser sua sogra. Os laços começaram a ficar confusos e difíceis de serem desatados.
Julho chegou rapidamente, e Hugo veio passar uns dias com o pai. Reconheceu logo a irmã e estranhou tê-la agora como sua madrasta, e os sobrinhos como seus irmãos. Os enlaces familiares estavam cada vez mais atrapalhados, e até chegaram a achar que não poderia ficar pior.
Mas ficou. Alguns anos depois Hugo começou a demonstrar-se apaixonado por Grabriela, filha de Juliana. Sua sobrinha e também irmã, que poderia passar a ser sua esposa. E Gabriela que era filha e neta de nosso jovem descasado, passaria a ser sua nora. E Hugo passaria a ser genro de Juliana, e também neto de sua mãe.
É melhor pararmos por aqui essa confusa árvore genealógica, pois as coisas podem ficar ainda mais atrapalhadas. Não sei não. Esses jovens que andam gostando das mulheres mais velhas…poderemos deparar logo mais adiante com o filho de Juliana se apaixonando pela avó de Hugo….sei lá. É melhor deixar estar..
(Conto também publicado no site: http://palavrastodaspalavras.wordpress.com/2008/06/11/lacos-de-familia-por-ana-maria-maruggi/ )