O formoso ladrão
_ Nossa como ele é bonito! – Sussurrou no ouvido da amiga.
_ E educado! - Retribuiu esta.
Seriam comentários inocentes e sem importância não fosse o elogiado: o ladrão que colocou as duas jovens de mãos para cima enquanto assaltava o mini-mercado do bairro.
_ Desculpe pelo transtorno que causei e tenham uma boa tarde! Disse o ladrão ao sair.
Após a partida do larápio o mercado parecia ter sido invadido por dez feiras-livre ao mesmo tempo, tamanha era a bagunça e falação lá dentro. Todos estavam surpresos, pois aquele estabelecimento não era assaltado muitas vezes e muito menos por um ladrão tão belo e gentil quanto aquele.
As jovens amigas disseram que tinham visto homem tão bonito quanto aquele apenas na televisão, coisa que foi duramente retalhada pelos amigos que as acompanhavam e dois homens que trabalhavam em uma das empresas de distribuição de bebidas ostentando os crachás no peito junto ao bolso. Depois de um deles cerrar os punhos disse que bandido é sempre bandido, não importando se bonito, educado ou não. _ E tem mais uma! Sujeito que precisa de revólver pra mim não é homem de verdade! – Disse olhando para o companheiro e esperando a confirmação que veio com outro discurso:
_ Agente trabalha feito uns camelos, faça chuva ou este sol de rachar mamona, não recebe nem pra comer e vem um safado, cafajeste desses e rouba o nosso dinheiro!.
_ De mim não levou um centavo sequer. - Disse uma das moças gesticulando como se regesse uma orquestra. Seu gesto maestral foi seguido por inúmeros “Nem de mim” dito principalmente pelas mulheres do local.
_ Mas assaltou o caixa aqui, atrás do comércio tem sempre um comerciante. – Retrucou o primeiro moço das bebidas.
_ Pra falar a verdade, antes dele que de mim. Falou em voz baixa um dos rapazes que acompanhavam as jovens moças.
_ Ele roubou, é verdade, da mesma forma é verdade que era bonito e muito educado. Falou, virou-se e saiu seguida por sua comitiva.
Um senhor de idade que apenas observava a discussão indignou-se:
_ Esta juventude, é assim mesmo o que importa é ser bonito ou não, essa mulherada está de mal a pior. Tenho dó é dos pais desta moça, garanto que não sabe que ela diz aos quatro ventos que namoraria um bandido.
A discussão durou mais um bom tempo, depois foi levada do mercado pra a casa por aqueles que discutiam.
No dia seguinte à tarde no mesmo bairro, um jovem alto de cabelos bem pretos que esvoaçava com o forte vento, rosto bem feito, olhos grandes e pretos, queixo quadrado com a barba por fazer, sorriso cativante, ombros largos e de andar com um leve gingado entrou pela porta do açougue foi até o caixa e disse:
_ Por favor! Você poderia fazer a gentileza de me dar todo o dinheiro que isto é um assalto. Disse ele calmante e só depois mostrou um revolver.
O caixa ficou parado analisando o que acabou de ouvir. Pensou que seria uma brincadeira de algum amigo ou cliente, mas aquele rosto ele não conhecia, amigo não era, cliente desconhecido não faria brincadeiras deste tipo. Voltou a si quando foi cutucado pelo ladrão só então percebeu que todos os clientes estavam com as mãos para cima.
_ Não se preocupem, ninguém vai se machucar! Assim que eu pegar o dinheiro vou embora e tudo volta a sua rotina.
Alguns clientes tentaram aos berros acelerar o caixa que demorava para juntar as notas, as moedas e os ticktes. Quando recebeu a valiosa sacola que fazia propaganda do açougue o ladrão agradeceu e saiu em disparada.
Desta vez como os funcionários e os clientes ali presentes eram todos do sexo masculino, apesar de todos acharem ninguém comentou nada da beleza do rapaz, falaram apenas da boa educação e de suas vestimentas.
Os assaltos foram acontecendo, um por dia, o bairro todo já comentava sobre o ladrão bonito e educado. As moças que presenciavam algum dos assaltos, após o termino aparentavam aquela mesma perturbação, de quando encontravam algum artista de televisão.
Com o passar do tempo muitas pessoas já o punham mais bonito que realmente era, uns diziam que era de pele morena de olhos azuis, outros diziam que tinha os cabelos loiros e olhos verdes, alguns diziam que ele tinha por volta de um metro e oitenta, outros diziam que ele tinha mais de dois metros. As versões eram muitas, a polícia fizera dezenas de retratos falado do “ladrão bonito” como ficou conhecido na delegacia do bairro.
Um jornal sensacionalista publicou a seguinte notícia sobre ele:
“Lindo ladrão encanta as vítimas que clamam novo assalto!”
O mito foi crescendo pelo bairro, a mídia explorava o assunto ao máximo, jornais traziam entrevistas com os donos dos estabelecimentos assaltados e testemunhas maravilhadas por ter seu nome no jornal, programas de televisão faziam diversas reportagens, os matinais levavam psicólogos para explicar o que levaria um rapaz tão bonito cometer assaltos ou tentavam explicar o motivo das mulheres o colocarem como símbolo sexual (diziam que era a aventura que chamava a atenção delas, outros diziam que era o fato dele se tornar famoso), os noticiários faziam reconstituições enfatizando as falas do assaltante, outros, afirmavam que os ladrões comuns deveriam aprender com este a ter bons modos, que pra assaltar não era preciso ser mal educado e covarde como tantos por aí.
Com os assaltos do ladrão bonito ficou em evidência para a cidade toda, então, aconteceram alguns problemas principalmente para aquele bairro que se orgulhava de tê-lo em seu distrito. A polícia parava todo e qualquer jovem de boa aparência que batia com algum daqueles diversos retratos falados e muitas vezes não usava da educação que tornou famoso o perseguido. Os comerciantes ficavam assustados toda vez que entrava porta a dentro um bonito jovem. Diversos outros assaltantes tentavam imitá-lo, as vezes um estabelecimento era assaltado duas vezes no mesmo dia por “ladrões bonitos” distintos.
Preocupado com sua reputação o verdadeiro ladrão bonito colocou um anúncio no principal jornal de bairro dizendo:
Sou ladrão mas tenho princípios, não faço isso apenas por diversão, faço pois passo um difícil momento financeiro em minha vida.
Contudo, jamais assaltei um pai de família ou farei isso no futuro, da mesma forma que jamais assaltarei um estabelecimento duas vezes, pois sei das dificuldades para se manter um pequeno negócio hoje no país, sei dos diversos impostos que o proprietário paga.
Aproveito a oportunidade para me desculpar de novo com quem infelizmente tiver que tomar alguns proventos “emprestados”.
Depois da averiguação da polícia soube-se que o anúncio apareceu num diskete na porta da redação do jornal, que julgando ser de interesse público o publicou.
Devido toda aquela movimentação o nosso querido e verdadeiro ladrão bonito ficou sumido por alguns tempos. Dois meses depois, no momento em que toda a mídia descobriu outra notícia para voltar seus refletores, ele retornou aos delitos.
Uma padaria, farmácia, avícola, barbearia, afinal ficara muito tempo inativo, porém o dono de uma lotérica contratou Abelardo, que meses antes foi expulso da polícia militar por responder processo por denúncias em envolvimento no tráfico de drogas e estupro de uma menor.
Abelardo tinha um metro e sessenta e cinco, era atarracado, sem pescoço, pele queimada de sol, cabelo crespo cortado junto a cabeça pequena e oval, tinha uma grossa marca de expressão que enfeitava na horizontal sua testa, na face esquerda um furo logo abaixo a maça do rosto, a dias sonhava com o momento de colocar suas grande e grossas mãos no “safadinho”, foi contratado devido sua reputação de não dar moleza pra ninguém quando servia a farda.
No dia de grande movimento (quatro loterias estavam acumuladas), o ladrão bonito atacou, como a fila estava muito grande, ele permaneceu nela conversando com aquelas pessoas que adoram puxar papo, não levantou suspeita, muitos dos clientes sequer notaram que a loteria fora assaltada. Fato que deixou muito nervoso seu dono, pois ele contratou um segurança especialmente para evitar o ocorrido, (fato este foi levado ao patrão com sorriso nos lábios pela caixa, primeiro pelo encantamento com o ladrão depois por detestar Abelardo).
Abelardo foi demitido, antes de sair deu três ou quatro sopapos no ex-patrão.
Foi prestar serviços a um conjunto de lojas que juntaram-se para contratá-lo. Agora ele usava boné e colete pretos com letras amarelas grafando “Segurança Patrimonial”
O segurança e o ladrão se encontraram por duas vezes, a primeira foi num ônibus coletivo, o ladrão bonito estava sentado num dos bancos e gentilmente segurou a bolsa (contendo o boné, o colete e a marmita) de Abelardo que estava em pé, a segunda foi no fatídico dia em que o ladrão bonito saia de uma das lojas em disparada com a féria do dia, Abelardo o viu correndo, sacou o revolver, no meio da calçada lotada e deu um, dois, três tiros no ladrão, dos três apenas um o acertou, os outros dois acertaram uma senhora e um padre que passavam por ali. O ladrão bonito ferido nas costas deu dois passos e caiu, Abelardo aproximou-se e em menos de um metro de distância descarregou o revolver no rapaz.
No dia seguinte os jornais registraram, a morte do ladrão bonito e do padre, o milagre que fez a bala passar pelo lóbulo da orelha da senhora, que alargou o buraco do brinco, e a prisão do ex-policial militar acusado por tráfico de drogas, estupro e assassinato.
O bairro todo comentou e chorou a morte do ladrão mais bonito, educado e honrado que já foram vítimas.