AO SOM DE ALGUNS BOLEROS... ( Epílogo)
Convidou as amigas, após três meses ausente do salão de baile – período em que elas continuavam freqüentando, todas as sextas-feiras – e lhe levavam notícias de Paulo, o seu amado, que, nas primeiras semanas apareceu mas, depois, deu um sumiço. Ninguém mais o viu por lá. Nem mesmo os garçons, seus amigos, souberam de seu paradeiro. Mas Elvira tinha esperanças. Seu coração lhe dizia que, naquela noite, a de sua reestréia, ele lá estaria, para admirar a outra pessoa em que ela havia se transformado. E, aquela noite não passaria em brancas nuvens. Iria aceitar o insistente convite para irem a seu apartamento – ele era viúvo, morava só - e viveriam aquela noite de paixão, tão esperada pelos dois!
Fez o maior sucesso quando adentrou o salão. Comprou uma roupa nova, linda, adequada a seu novo manequim – antes, 48 e, agora, 42 – todas queriam saber o que ela havia feito para emagrecer tanto e rejuvenescer mas ela, como toda mulher que se preze, guardou o segredo... Arrasou, naquele vestido longo, azul céu, que casava muito bem com o tom moreno jambo de sua pele – agora mais lisa, sem aquelas incômodas rugas que detestava! Pela primeira vez, sentiu o coração apertado!
Só faltava ele. Ficou ali, um tanto quanto decepcionada por não vê-lo, como se houvera combinado um encontro e ele não aparecera. Ela tinha esperanças de que Paulo ainda viria, naquela mesma noite, vê-la. Era como um chamado de seu coração. Afinal, o sacrifício a que houvera se submetido, a sua longa espera, valeria a pena, quando ele aparecesse.
Mas, de repente, todas as atenções se voltaram para a porta de entrada do salão. Ela virou-se para ver o que estava acontecendo – quem, em sã consciência – teria a coragem de tirar o seu brilho naquela noite? Era ele. Paulo entrou, de braços dados com uma mulher, gordinha, baixinha e aparentando mais idade do que Elvira. Todos se surpreenderam! Ele estava sempre só e a única mulher que lhe fizera companhia, a quem ele fazia carinhos, em público, sem receio de se expor – era um homem muito reservado – era ela, Elvira. Ela sentiu-se morrer, ali mesmo! Tinha medo de não suportar a dor da surpresa e chorar. Borrar a maquiagem que pagou caro para fazer e ficar ainda mais linda para ele. Só para ele!
Depois de cumprimentar a todos, no salão, os amigos de longos anos, chegou à mesa onde Elvira se encontrava. As amigas os convidaram para se sentarem ali com elas. Paulo aceitou, de pronto, puxou uma cadeira e, carinhosa e cavalheirescamente, acomodou sua companheira, depois se sentou também, sempre com o braço por sobre os ombros dela. Elvira manteve-se firme, enquanto ele lhes apresentava aquela mulher.
Era Julia, sua esposa. Ficara ausente por três meses, pois havia encontrado a mulher de sua vida e se casara. Estivera em lua de mel, viajando por todo o Norte e Nordeste do País – era Advogado, aposentado – e seu salário lhe permitia ter uma vida tranqüila e, agora, com uma nova esposa ao lado, estava feliz, não lhe faltava nada mais. Entre uma conversa e outra - pediu mais uma rodada de cerveja, para comemorem seu retorno e o reencontro com os amigos - elogiou Elvira. O que ela fizera, que estava mais bonita, mais jovem? Nem olhou direito para ela. Uma frieza sem igual!
Era como se jamais tivessem se encontrado, trocado carícias, beijos e promessas de espera! Suas atenções eram todas para aquela “baranga” que agora ocupava o lugar que ela tanto sonhara! O que ela tinha para conquistá-lo assim? E ela, não havia representado nada em sua vida?
Como é que pôde acontecer algo assim com ela? Três longos anos, encontrando-se com ele, todas as sextas-feiras, como sua namorada oficial – todos no salão sabiam disso - desejando ser sua mulher, passara por todos os sacrifícios para ficar bonita, mais jovem e desejada e, agora, ele se apresenta, casado com uma mulher que perdia – de longe – para ela, em beleza e juventude? Gorda, baixinha, não tão bem vestida quanto ela, mas, admitiu para si mesma. Era uma pessoa cativante, alegre, contagiava a todos ao seu redor. Sorria muito, sabia ouvir quando os outros – principalmente Paulo – falava, uma doçura de pessoa. Ah! Se ela soubesse que, para ele, não importava a forma física, nem as rugas a mais na face, nem mesmo os vestidos bonitos que Dona Luciana lhe comprava! Será que ela, aos 60 anos de idade, mas sentindo-se bem mais jovem, não tinha direito à felicidade, pela primeira vez que sentira o coração bater mais forte por alguém? Era seu destino viver sempre só?
Pegou sua bolsa, saiu daquele lugar, tão pequena que não se enxergava, deixando as amigas, animadas - querendo saber de Paulo, todas as novidades, como tudo acontecera - gozarem um pouco mais da companhia daquela gordinha tão agradável, que, ao falar, prendia a atenção de todos e linda!
Sim, linda! Seu interior deixava no chinelo muitas mulheres bonitas exteriormente que lá se encontravam, inclusive e principalmente, Elisa! O que ela queria nesse momento era um buraco para se enfiar, de tão idiota se sentia! Como isso não era possível, tomou um táxi, foi para casa, não falou com ninguém – nem mesmo com Dona Luciana, que estranhou a sua volta tão cedo – despiu-se de toda aquela roupa linda, lavou o rosto, para livrar-se da maquiagem, tomou um analgésico, que a cabeça lhe estourava, deitou-se, rolou na cama por horas, até que o cansaço lhe venceu e dormiu. Sua intenção era não acordar nunca mais, para que pudesse esquecer todo o constrangimento, a decepção, aquela paixão, há tanto tempo reprimida e que ela houvera perdido, por pura imbecilidade. Porém, antes de cair em um sono profundo, procurou se refazer do susto. Enxugou as lágrimas que ainda caíam, para que sobressaísse, novamente, a imagem da mulher forte que sempre fora.
- Amanhã será outro dia! Ela procuraria outro salão de baile para freqüentar, às sextas-feiras. Adorava dançar e não deixaria que nada, nem ninguém tolhesse a sua vontade. Iria esquecê-lo! Afinal, descobrira, em um átimo de segundo, que Paulo não a amava como dizia. Se assim fosse, a teria procurado, quando de sua ausência. Teria estranhado seu comportamento e iria até o fim do mundo, por ela! E não sairia por aí, para encontrar a sua “alma gêmea”. Que fossem felizes! Ela também o seria, assim como estava – magra, sem rugas, mais jovem! Enfim, descobrira que havia feito aquele sacrifício todo por ela mesma e por ninguém mais!
Era o seu sonho realizado e não o de Paulo. Queria agradar a si mesma, ao olhar-se no espelho e não estava arrependida. Pelo contrário! Valera a pena...E como!
Sentia-se leve, maior e mais forte do que todos! Afinal, sua vida sempre fora pautada por lutas e decepções! E essa, era apenas mais uma delas! E ela a venceria, como todas!
Enfim, dormiu... e sonhou! Estava em um novo salão, todo iluminado, a orquestra tocando aqueles belos e românticos Boleros e ela, nos braços de um novo amor, dançando, tão suave e docemente, como se levitasse! E ele a beijava... E, depois do baile, foram para sua casa e fizeram amor, durante toda a madrugada! Como há muito desejara. Era feliz!
Para ouvir o Bolero de Elvira:
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