CONTO INACABADO

Foi-se o tempo em que os homens podiam acordar de acordo com o relógio do seu corpo, tomar um longo e gostoso banho, servir-se de um maravilhoso café da manhã, conferir as notícias no jornal e depois sim, seguir caminhando tranqüilamente até o seu trabalho. É..., foi-se o tempo. Agora vivemos reféns de máquinas que regulam desde o nosso despertar até o momento em que estamos no isolamento do banheiro, curtindo aquela gostosa “cagada”. É, foi-se, perdeu-se nas brumas do tempo e da saudade de cidades ainda provincianas, onde a vida era bucólica como no campo.

Assim, eu me sinto perdido, querendo encontrar aquela tranqüilidade perdida que deixei para trás. Aquela tranqüilidade que tanto reclamei, questionei, e por fim perdi. Agora sou refém. Refém das máquinas, dos homens de negócios, refém do meu próprio ego. Ego este que me fez querer o que tenho agora. Achei que isso era tudo, mas vi que o tudo significava a minha derrocada. Corro atrás das horas, dos minutos, dos segundos. Corro sem destino, buscando recuperar o tempo perdido. Hoje estou livre como os pássaros, mas me sinto prisioneiro, como o pior dos criminosos. Posso caminhar pelas ruas, pelas praças, pelas estradas... Mas, na realidade, estou preso. Preso buscando algo que não é meu nem será. Não será nunca, pois como pode um homem refém das máquinas querer ter algo puro? A pureza não está no ambiente frio, material, morto das máquinas. Elas matam, massacram povos, nações, crianças, homens, mulheres, e assim mesmo todos enaltecem este objeto de destruição, que destrói vidas que pensam, mentes e filósofos.

Estou impotente, sem condições de fazer a revolução. Sinto-me pequeno, perdido em números que me massacram, relatórios que me aprisionam e generais do apocalipse que, com a sua análise dura, julgam-me, matam-me. Onde está aquele que disse que era um líder, um revolucionário que iria acabar com o império do materialismo? Não sei, sumiu, foi-se e agora não restou nada.

Ideologias à parte, o sonho morreu na estrada de uma vida sem futuro, onde o relógio massacra, o tempo é escasso e o clima arde como no inferno, consumindo a nossa alma pensante e criativa, queimando o que resta de beleza no mundo.

Talvez, eu não consiga terminar este singelo desabafo, inacabado, pois somos incapazes de relatar sentimentos verdadeiros no papel.Talvez, daqui a algum tempo eu não esteja mais aqui. Estarei livre, totalmente livre, com a liberdade de volta. Aí então conseguirei fazer tudo o que não fiz e tudo o que aspirava fazer.

Bem, a inspiração um dia volta, como o dia às vezes ensolarado, às vezes nublado, às vezes chuvoso. O que eles desconhecem é que nunca se termina uma obra, pois ela viverá para sempre povoando e intrigando as mentes de todos aqueles que carregam no peito a vontade de decifrar os enigmas daqueles que são fingidores natos, que enganam debochadamente, deixando sempre a impressão de que estão certos e que a sua filosofia é verdadeira.

Pobre de nós, simples mortais, que nos propomos a decifrar estes mistérios.

Será que acabou??...

MARCELO PEREIRA