QUANTO TEMPO DURA UMA ESPERA?



               O relógio bóia sobre a eternidade como inútil e desconectado objeto, sem raízes no tempo, os ponteiros girando à toa. Em nosso pulso, nas paredes, nas torres, nas gavetas, até dentro das malas, seus ponteiros estão girando sempre sobre o mesmo palco,mostrando as mesmas horas de incontáveis dias que são o mesmo tempo, sobre o qual desenham marcas imaginárias de deslocamento. Na sala de jantar, o velho relógio, impávido , cumpre seu destino.

              Marina escuta as batidas de seu coração. Suas lágrimas deixam gotículas de minutos desenhados, de segundos invisíveis, as horas marcam um tempo qualquer que não transcorre na sua tristeza,  nela não se gasta, não se renova. . No peito, seu coração em cadência ritmada, embala com sangue o frio da ausência dolorida. Aquece nas veias a teimosa seiva.  Por onde andarão esses meninos? Saíram para ir ao mercado, eram umas cinco horas, relembra ela pela enésima vez. Depois, depois... Marina está em instâncias de morte, mas o tempo escorre pelas paredes, inútil e tão frio em seu percurso... De vez em quando algum estremecimento involuntário parece acordá-la e ela ouve a água das chuvas ferindo os telhados enquanto a vida segue por tantos caminhos! Quem sabe em que curva estarão passando agora?  Aguarda, entretanto, com a alma suspensa, que algum milagre aconteça. A qualquer momento, pensa, os meninos entrarão pela porta, farão sua costumeira balbúrdia e chamarão por ela, como a fala de um script tantas vezes repetido nesses poucos anos de suas tenras vidas.

                  Quem passa por uma casa como aquela, tão igual a tantas outras, não imagina os dramas que ela pode conter.  As paredes falam, tic-tac, tic-tac, mas no coração explode desespero .  Nenhuma notícia. Ela já ligou para as pessoas conhecidas, para a polícia, para o pronto-socorro e nada. Mas sua alma resiste.

              Subitamente levanta-se e abre a porta. A chuva bate em cheio contra seu corpo e ela se enrola no velho chale baixando a cabeça e recuando. O som oco da porta fechando-se bate em seus ouvidos uma pancada forte.. Desesperada, pega um objeto e joga contra o relógio. O vidro do mostrador racha-se em muitas linhas ." Inútil relógio", pensa Marina. Mas em suas entranhas, no seu padecimento, o tempo é real. Em seu íntimo, é como se um século tivesse se passado.

                 De súbito,  o telefone toca e ela corre tropeçando numa cadeira. Levanta o fone trêmula e do outro lado da linha o que ouve faz o tempo parar:

                - Ô mãe, é o Léo, manhêeeee... eu tô com frio... eu tô aqui com o moço da  pulícia eu e o Dado ficamos escondido por causa da chuva, ouviu, mãe??

                 - Ouvi, responde ela , ouvi...

                No peito que vibra Marina escuta as batidas de seu coração, mas desta vez aceleradas, ritmadas de alegria, escuta as certezas que emergem radiantes e dirige seus passos pra longe do abismo em que quase despencara . 

                   Ela já tem padecido  os agudos entraves da vida, mas seu corpo sempre  persiste. Ela é parte do enigma no qual todos fomos forjados e que de forma misteriosa e sublime, projeta, a cada reerguer-se, a cada enfrentamento vencido,  no mais profundo de nosso ser,  a sua benvinda fortaleza. A vida recomeça...

                         
tania orsi vargas
Enviado por tania orsi vargas em 28/06/2008
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