MARIA EDUARDA

(méritos à Biblioteca Nacional. em oito dias úteis registrou meus cinco contos! tempo recorde!)

Lindeza de menina essa Maria Eduarda. Sua formosura começa num encantador olhar, completa um rostinho de traços perfeitos e uma boca apaixonadamente linda e cheia de maravilhosos sorrisos. Corpo de uma jovem de dezenove anos – não é pra menos, ela tem dezenove – moreninha linda do bairro, xodó de quem a conhece... Um coração transbordado de sonhos, objetivos e humildade. Sabe entrar, conquistar e sair.

Maria Eduarda é a “Duda” da família Trarbach, descendência alemã atribuída a uma família carente de recursos financeiros, vinda de uma vila do interior de Minas Gerais para tentar a sorte pelas oportunidades do centro de uma cidade não grande, mas enorme: São Paulo.

Não demorou muito, Duda já trabalha num trailer que funciona como restaurante, bar e lanchonete. Situada de frente a uma garagem de ônibus, cujo seus funcionários são os melhores clientes. Duda começou no atendimento sob balcão, mas logo passaram-na para a gordurosa e quente chapa de lanches devido ao excesso de tempo que cada cliente permanecia de fronte ao balcão a contemplar a lindeza de menina que trabalha ali. Trabalho formal num trailer, parece novela.

Sr. Ageu, o pai da moreninha é auxiliar de obras. Ta ganhando pouco, porém mais que na roça e dá até para sonhar em consertar a burrada dupla que fez por comprar muito além do que ganhava, ou melhor, sem nada ganhar, tendo que depois vender para comer. Sem produto e com débitos. Não bastando, usou o CPF da ingênua Duda no comprar das mesmas mercadorias com alguns itens a mais. Mais um carnê bancário nas mãos impossível de ser pago. Vendeu tudo de novo e foi pra São Paulo.

- Jeitinho de cabocla prendada, Seu Jairo. Pelo que sei, descomprometida e assim não fica por muito tempo, não. Tenho que ser manso e rápido, senão já viu... a fila de pretendentes deve ser tamanha.

- Vai com calma, Del. Primeiro você tem que saber o tipo dela, depois há ser o tipo!

Bons amigos o zelador Del e seu encarregado Jairo. Ambos trabalham na garagem de ônibus e o encarregado de trinta e sete anos de idade há dois dias não ouve outra coisa do menino senão da menina que faz a chapa esquentar. Ele o ouve, mas nada pode fazer, não conhece a moça e o menino com seus vinte e dois anos, bem já sabe o que fazer da vida. Contudo, o voto contribuinte de muitos outros “peões de trampo”, despertou a curiosidade que meramente invadiu os pensamentos de Jairo.

- Seu Jairo! O Sr. por aqui?

- Não... sou a sombração dele. Pegue uma cadeira pra mim, Del. E desfaça essa cara de espanto porque estamos fora do horário de serviço e quero lanchar. Ah, e quero lanchar aqui, se não se importa. – levantando o braço esquerdo, chamando a atenção da Duda – Ei menina, faz favor.

- Posso não. Fale com a menina do cardápio ou coma carvão no lugar do bife, Sr.

Muitos amigos riram e Del jamais deixaria a brecha se fechar.

- Acha que é só levantar o braço, é?

Alguns dias se passaram e em cada um desses Del e Jairo marcavam os movimentos da menina em cada quebrar de ovos na beira da chapa. À beira da menina o emprego se garantia. Na verdade, seria justo Duda receber além do ganha apenas se ficasse ali parada por chamar mais clientes com seu jeitinho “manso-arretado” que qualquer serviço de panfletagem.

- Sua benção, papai.

- Deus te abençoe, minha filha. Como foi no serviço hoje?

- Fui nele não meu pai, fui a pé – risos imitando uma mal-criada – ah, pai... tem uns meninos, na verdade vários, mas principalmente dois que estão na minha cola.

- Qual deles tem mais dinheiro?

- Papai!

- Ta bom, filha. Mas pense bem antes de qualquer decisão. Você já é moça e precisa se casar, mas se for pra viver nessa mesma condição, é melhor ficar com o papai, né... faz favor filhinha, esquenta aquele arroz e frita um ovinho pro papai.

- Ovo!

E meio sem querer lembrava Duda dos seus pretendentes nos poucos momentos vagos do seu dia e pensava com carinho por saber que aquela vaga em seu coração deveria ser preenchido, mas para isto, uma escolha deveria ser feita e muita conversa havia de desenrolar, pois bem sabia do valor que tinha, o que nenhuma amiga sua ainda guardava. Nunca foi tocada e no momento seus sentimentos não importavam mais. Deitou-se de lado esquivando-se do clarão da vela, falou bem baixinho e com a boca quase encostada na parede... “Eu queria era você Carlinhos, você me fez de boba e tive que ser uma verdadeira atriz pro papai num perceber o quanto fiquei magoada por ter me traído. Apesar de tudo eu te perdoei, mas nem assim me quis... agora ficou pra trás tudo que eu sonhei pra nós, eu me arrebento pra chapar gordura nesse povo enquanto você cuida do milharal do Prefeito”.

Rejeitada pelo primeiro e único namorado que tivera e na certeza de que não o veria mais, não lhe restava outra escolha a não ser escolher. O xodó dos garageiros ainda era moça intocada e ninguém ao menos pensava nisto até conhecer Lorena, uma viciada em x-tudo noturno – dispensava as principais refeições e dizia à mãe que já fizera um lanchinho bobo na rua – tão boa de conversa quanto de peso e esperta como as raposas, capaz de dar um nó num pingo d’água sem deixar cair uma gota. Logo no primeiro dia de novas amigas, Lorena persuadiu a gordurosa mocinha e a levou para sua casa. Conversaram muito, mas tiveram que deixar um pouco de confidências para o dia seguinte. Casa sem telefone como no caso de Duda, era motivo para ela se preocupar com o pai que deveria estar preocupado com motivo (eia).

Uma semana de amizade com a fofinha da Lorena e São Paulo parecia estar do tamanho de uma nogueira na vida da Duda, sentindo-se a mesma uma noz igual às outras e entre milhares de outras, mas seu coração permanecia indeiscente, feito um fruto que não se abre em época de maturação. Pouco de dicionário, mas muito de verdadeiro. De alma lírica, mas cheias de objetivos e muito se esforçando pelas metas. Todos ali sabiam de Duda tanto quanto Lola, a fofinha, também sabia.

Irritada com a amiga fofoqueira, evitá-la foi o melhor que pensou, mas seria difícil não ser achada por trabalhar num local público e com x-tudo na promoção. Foi só falar. Aproximou-se Lorena de Duda com um jeitinho de amiga preocupada e disse que tinha um presentinho, mas que só ia dá-lo se aceitasse seu pedido de desculpas. Pensando “já perdi muito, ta na hora deu ganhar alguma coisa, né... só perder, e perder pra uma baita língua... mas eu também sou falha, não linguaruda igual a ela, mas eu erro também...”, comprimiu o abraço no recebimento do presente, arremessou perdão pra todo lado e correu para chapa!

Seus olhinhos brilharam ao abrir aquela caixinha... suas mãozinhas tremeram por estar pegando pela primeira vez um aparelho celular e o mesmo era seu. Emocionou-se e chorou. Agora é aprender como funciona, mas por um instante a emoção se fundiu meio a um inesperado parecer. O receio da mudança de uma vida limitada aos estreitos de uma vila a uma vida notória. Aquele aparelho unido à língua da Lorena poderia significar problemas, embora pessoas ligando e convidando-a para baladas seria uma boa erguida de estima e se abrisse mão do celular, com certeza ia voltar a ter o mesmo valor de um pente em terra de carecas. Pensou muito, abraçou o aparelhinho e deixou-se convencer de que não ficaria convencida por aquilo, afinal sentia-se a penúltima pessoa daquele lugar a possuir um celular por ainda existir seu pai, o Ageu. Logo, outro celular deveria ser comprado para a última pessoa a ter um aparelho daqueles afim de avisar de qualquer imprevisto.

Chegado o dia do pagamento, duas coisas já estavam na lista do que fazer com o dinheiro. Comprar o celular do papai e dar o restante do dinheiro pro papai!

Já era noite e chovia, pouco a faltar para chegar em casa, Duda foi abordada por dois jovens que lhe apontaram uma arma e levaram seu dinheiro. Numa desesperadora reação foi empurrada, caiu à beira do meio-fio e machucou os braços. Ali mesmo sentou-se e encurvou-se a chorar muito sobre os joelhos ralados e doloridos. Lembrou-se um mês intero a cuidar daquela maldita chapa e na falta que aquela merreca de dinheiro faria. Naquele momento um farol pairou em sua direção, passos e uma pergunta ouvira: “posso ajudá-la?”. A voz era conhecida e quando Duda ergueu sua cabeça, sentiu-se bem por Jairo estar ali. Ele pôs sua jaqueta nos ombros delicados que tremiam de frio, dor e tristeza. Colocou-a com cuidado em seu carro e pediu para Duda ir explicando o caminho de casa.

Logo pela manhã do dia seguinte, Lorena chamara pelo Sr. Ageu a imaginar o desgaste da pobre amiga pelo lamentável ocorrido. Atendida, Lorena já chega se explicando...

- Cheguei tão cedo pra dondoca não inventar de pular da cama pro trabalho, seu pai vai, tu fica. Jairo me ligou, eu liguei pro seu patrão e por falar em bolachas, cadê o seu celular (ops)?

Era a hora perfeita para dizer que o telefone foi-se nas mãos do bandidos e recuperar parte do prejuízo fazendo uma graninha nele, mas mentir não resolveria e isso acarretaria mais um peso na cuca e na alma.

- Está na caixinha dele. Até hoje não o liguei ainda.

Com a certeza de que Duda não sabia nada de celulares, com calma foi explicando.

- Olha, vê esse botão? Esse liga e desliga, esses pontinhos aqui significa que você deve alimentá-lo e a primeira carga deve ser por um período de doze horas. Vou colocá-lo na tomada e como agora são dez para as sete, somente dez para sete da noite você poderá ligá-lo e ligar pra mim, entendeu?

Mais uma visita. Dessa vez o patrão. Não ofereceu ajuda alguma, mas explicou cautelosamente o que fazer nesses casos para não haver nenhuma negligência de ambas as partes. Enquanto despedia-se, chegava a terceira visita.

Del percebeu que Duda o olhava de uma maneira bem diferente de quando eles se conheceram e entusiasmou-se ao sentar-se ao lado de sua cama. Perguntou se seria preciso coisas ruins acontecerem para que ele a fosse visitar e se não seria mais preciso pedir, implorar, suplicar e chorar aos pés do seu encarregado Jairo por uma rápida liberação durante o expediente de trabalho garantido por ainda ter que emprestar seu carro. Confessou que Jairo o liberou porque também queria ter notícias de Duda, a que tem celular, mas ninguém com ela consegue falar.

- Ora, Del. Você tem meu telefone? – Perguntou Duda olhando para Lola, que sorriu e citou a lista dos nomes das pessoas que os números foram distribuídos e olhando em sua agenda, citou os que faltavam distribuir e sorriu novamente.

Notou que Del e Lola se pareciam muito em certos aspectos e fez algumas perguntas, obtendo uma oca e sucinta explicação de que ambos foram nascidos e criados com muita proximidade. Não convenceram nem a eles mesmos, deixando Duda com a testa franzida até Lola-língua entrar em ação e dizer: “mas foi você quem ficou toda feliz quando viu o Del, né...” obrigando Duda a dizer que era melhor que ele voltasse ao trabalho estando agradecida pela visita e consideração. Mandou sinceros agradecimentos à Jairo, assim que ele tivesse uma folga, que a fosse visitar.

- Como ela está, Del?

- Ela está ótima, Jairo. – E nem uma palavra a mais foi dita. O menino não é bobo, percebeu que havia muitas chances de conquistar o coração daquela caboclinha prendada e estava disposto a loucuras em nome do amor – essa palavra estava agarrada, não? – Mesmo sem qualquer suspeita de seu encarregado com relação a Duda, tomou a iniciativa de ser o primeiro em tudo, por pensar que poderia estar pouco atrás por não ter encontrado a moreninha em maus bocados e prestar ajuda. Por outro lado, Duda aceitou o celular que ele comprou e pediu para que sua irmã Lola a presenteasse e que neste momento, a maninha estava na casa dela enchendo-a de elogios a seu respeito.

Volta Duda ao trabalho. Chegou dizendo da saudade que sentia, só não disse sentir saudade da chapa. Conversou bastante com seus amigos e fez novas e boas amizades. Quase não ouviu o cair da chuva por causa do barulho de vários bifes fritando em sua frente. A noite acabara de chegar, Jairo também. Pediu um hambúrguer light, demorou cerca de trinta minutos para comê-lo e permaneceu ali olhando pro nada como se estivesse esperando alguém. E estava, sim.

- Chove muito, Maria Eduarda. Posso levá-la até sua casa? E dessa vez você não precisa explicar-me o caminho! – E no meio deste caminho eles pararam e conversaram, falaram o que sentiam um pelo outro, ele se abriu e ela o ouviu. Ali mesmo foi tomada uma decisão... Duda confessou que pensava mais em Del do que nele e que se imaginava louca por gostar de um homem com dezoito anos a mais de idade que ela.

- Quando eu nasci, você já era de maior, Jairo.

- Não é por aí. Pra você ter uma noção, eu ainda era virgem igual a você.

- Ah, meu Deus! O que mais Lorena falou de mim?

- Tudo o que você não é. Lorena tudo já fez para me conquistar, mas infelizmente seu pé é maior que o meu sapatinho de cristal. Por Lorena ser irmã do Del, ele mais sua a camisa para ser meu cunhado que propriamente trabalhando.

- Quer dizer que a Lorena e o Del são irmãos?

- Sim. Como pode você não saber?

- É por isso que o Del era “o perfeito” pra mim na língua daquela maluca. Será que ela nem imaginou que mais cedo ou mais tarde, de um jeito ou de outro, eu ficaria sabendo? E eu quase fui na barca dela, menino do céu...

Jairo não tinha qualquer intenção de atrapalhar ou desmentir alguém, mas o que aconteceu foi muito bom. Bom?

-Seu traíra! Papa-anjo! Eu a conheci primeiro que você! – É o pouco de palavras que Del arremessava para Jairo todos os dias, desde o café da manhã à fila de bate-cartões.

- Sim Del, mas eu fui o primeiro a levantar o braço! – retribuía às gargalhadas.

Duda, sobre tudo que se passava, deixara seu pai à par. Ela tinha seu consentimento ou até sua benção se precisasse. Seus pensamentos por certas vezes ficavam ilógicos tendo somente a confiança naquele homem, pois se ela estivesse fazendo alguma besteira, ele a avisaria. Mas, e se o mesmo se encontrasse na mesma situação? Pegou seu celular...

- Alô, Jairo? Sou eu, Duda.

- Eu sei, Duda.

- Como sabe que sou eu?

- Deixa pra lá – risos – que bom que você me ligou. Deve ter pensado no que lhe falei. Duda, se você não quiser, não tem problema e eu não vou ficar triste.

- E você Jairo, sabe o que quer?

- Sei, mas para eu te aceitar em minha vida, ates você precisa aceitar outra pessoa em sua vida.

- Eu sabia que você era enrolado, cara!

- Não é isso, amanhã à noite sairemos e eu te explico.

Acreditar ou não se Jairo seria realmente viúvo como seu pai. Se daria certo ou se tudo não passaria de mais uma praga-Carlinhos em sua vida. Certa de que as dúvidas não a ajudariam em absolutamente nada.

Del afastara-se de vez do olhar da Duda e de todos, sumiu da cidade sem deixar rastros por causa da descoberta. Ficou com cara de taxa em ter dado um celular e mandado a irmã ter com mais uma de suas pretendentes. Esse joguinho acontece há tempos e nenhum dos dois consegue enxergar a origem das frustrações amorosas que os enganos podem causar. No entanto, o sol nasce pra todos e Lola aos seus trinta e dois anos, tornou-se a madrasta da Duda, casando-se com Sr. Ageu, de quarenta e dois.

Naquele domingo, na rara folga de uma funcionária de trailer principalmente neste dia, Jairo levou Duda a uma igreja evangélica. Lá, ela ergueu os braços e aceitou outra pessoa em sua vida. Casaram-se e viveram felizes...

Lindeza de menina essa Maria Eduarda. Batalhou nas metas e sucedeu-se nas lutas!

Alexandre Torres
Enviado por Alexandre Torres em 23/06/2008
Código do texto: T1048096
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