Imagens (ou Lembranças)

O homem negro usando um branco chapéu panamá com roupas alinhadas, que engraxava os sapatos na calçada, deixou lembranças. O cheiro que exalava da graxa ainda úmida, o perfume cítrico de sua água de colônia, as abas brancas do chapéu em contraste com sua pele. O ruído cadenciado da flanela que cantava para dar lustro ao couro preto. Tudo está na lembrança.

A casa com enormes corredores que abraçavam altas portas duplas de madeiras e emprestavam ares de imponência ao velho prédio dos anos 40, construído num largo terreno de vinte metros de frente, plano, com profundidade superior a sessenta metros, espaços devidamente incorporados na infância.

As gritarias das crianças pelos quintais em brincadeiras inventadas com pedras, cordas, tintas, plantas, roupas, cortinas, e animais. Uma série de riscos de giz branco pelo chão de cimento queimado, que levava ao céu ou ao inferno.

O guaraná que, sorrateiramente era subtraído da geladeira do bar, às escondidas. O ruído da tampa escapulindo do bocal da garrafa de vidro fazendo barulho ao estatelar-se no chão de cimento. O líquido que transbordava espumante fazendo pequena cachoeira, o chiado ao ferver, o cheiro doce do refrigerante, o sabor gasoso, o nome Caçula dado à garrafa pequena.

O sabonete Lifeboy do banho no final da tarde, seu perfume floral suave que lembrava higiene, a cor rosada delicada, momento que ditava que dali para frente o dia se resumiria em “pijama dentro de casa”.

O café Seleto, pela manhã que corria pelo coador de pano e enchia o bule de alumínio, e seu perfume que invadia os quartos fazendo com que as crianças saltassem às seis horas da cama quente. Na cozinha o pão quente abria o apetite da família. Era hora de ir para a escola numa correria de pega-pega, com os pés guardados num Conguinha vermelho.

Ao meio dia o feijão ruidoso dançava na panela de pressão e o cheiro podia ser sentido de longe. Do tempero com toucinho frito e folhas de louro, lembranças da hora do almoço.

As galinhas que circulavam soltas entre as crianças, produziam cheiro de penas chamuscadas nos almoços dos domingos.

Cenas, cheiros, ruídos e cores inesquecíveis que compõem a infância de uma família paulistana nos anos 60 na cidade de São Paulo.

Atualmente esses odores caseiros parecem ter desaparecidos para dar lugar a outros perigosos cheiros.

ANA MARIA MARUGGI
Enviado por ANA MARIA MARUGGI em 22/06/2008
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