Num coletivo carioca
Olha a caneta! Olha a caneta!
Ponta metálica. Escreve mais por menos.
Azul, vermelha e preta.
Importada dos Estados Unidos.Escreve firme, não falha.
Escreve macio.
Carga longa, dura mais.
Olha a caneta!
Uma por cinqüenta centavos, e cinco por um real!
Esse era o discurso do vendedor ambulante, com voz impostada, no ônibus 107 que vinha da Urca e seguia em direção ao centro do Rio de Janeiro. O precário ônibus era tão velho e barulhento que mal podíamos entender o que gritava o vendedor. Deduzíamos.
Seguíamos pela avenida beira-mar no Aterro do Flamengo, e Nas curvas éramos jogados de um lado para outro tal a velocidade do coletivo. Os túneis davam um ingrediente a mais a nossa aflição, a escuridão.
Poucas pessoas á bordo da condução. E era bem fácil saber quem não era carioca, pois tínhamos no rosto a estampa do medo. Uma mocinha com menos de quinze anos, que parecia sair de um conto de fadas, ria da aventura que o Rio proporcionava aos turistas. Minhas mãos doíam de tanta força que empregava nas barras de segurança.
E lá vinha mais uma curva pra esquerda! Ueeebaaa!
A viagem parecia interminável. Olhei para o mar, e notei que contrastava com aquela situação, estava calmo em sua cor verde clara. A praia tinha poucos banhistas, e lá os ambulantes eram em maior número que aqui.
Tentei num relance, ver minha amiga no banco de trás. Ela tinha os olhos arregalados e um sorriso congelado nos lábios: “Cruzes, isso aqui dá mais medo que o bondinho do Pão de Açúcar” – gritava ela para mim.
Mas misturavam-se os gritos do ambulante, a tentativa de conversa de minha amiga e os ruídos dos acessórios que chacoalhavam no ônibus, ao medo de um acidente que parecia iminente. Somado a um calor de quase 40 graus, todo o cenário atordoava,
Tentei me lembrar de alguma estatística de acidentes com coletivos no Rio de Janeiro, mas não conseguia me concentrar. Quem, prestes a morrer de maneira trágica, se preocuparia com estatísticas?
Via minhas mãos agarradas às barras de ferro do banco dianteiro escapulirem a cada curva me tornando ainda mais vulnerável. Gritava.
Foi quando tentei me ater aos desesperados apelos do vendedor carioca, e resolvi que deveria fazer alguma coisa que minimizasse meu pavor: “Eu quero uma caneta azul, senhor”.
E o vendedor iniciou sua tática para me vender cinco peças: “A madame não entendeu que eu vendo uma por cinqüenta e cinco por um?” – “Não é negócio comprar apenas uma caneta, madame” - “E demais a mais, cinco canetas só custam UM REALZINHO” – “A madame não tem um real, por acaso?” E blá blá blá...
O ônibus nunca chegava ao meu destino. O ambulante falava quase sentado ao meu colo. As canetas dispostas em forma de leque por entre seus dedos eram colocadas diante dos meus olhos num quase sufocar. E o calor não dava trégua.
Foi quando mostrei firmeza: “Só preciso de uma caneta, você quer vender ou não?”
E ele, entre cara feia e resmungos, me entregou uma caneta azul que troquei por uma moeda de cinqüenta centavos. Tive a sensação de que ele tinha seu dever cumprido. Então calou-se e desceu na próxima parada.
Três curvas adiante chegamos finalmente ao nosso destino. Desci com as pernas trôpegas, respirei fundo, e confirmei a presença de minha amiga Cléia. Caminhei atônita até o hotel. E entre um riso e um protesto escrevi, naquele mesmo dia, no meu diário de viagem esta nota, com a caneta azul de ponta metálica que escreve mais por menos.