Seu Quirino, o mentiroso
Quirino Tavares sujeito esperto. Um verdadeiro mágico de boas mentiras. Mulherengo que só vendo! Um boa pinta. Quirino fazia suas tramóias amorosas sem nunca ter dado real margem de desconfiança. Nunca chegou em casa nem um minuto mais tarde. Para Dona Zica, sua esposa, ele era trabalhador responsável, bom marido, carinhoso, bom pai e bom chefe de família. Às vezes ela tinha uma pontinha de desconfiança das artes dele, isso por causa de cheiros estranhos ou papeizinhos esquecidos pelos bolsos ou carteira, mas aí ele vinha com uma cartada vitoriosa e ela se arrependia de ter pensado mal daquele santo homem.
Sexta feira tarde da noite e nada de Quirino chegar em casa. Não era hábito dele se atrasar. Só o fazia quando acontecia alguma tragédia. A mulher já estava aperreada andando de um lado para outro roendo as unhas de tanta preocupação.
As crianças Numa e Jairo, já estavam dormindo desde as nove da noite. Não havia ruído na casa. Pela fresta da persiana da janela Dona Zica espreitava o portão na esperança de que ele rangesse ao ser aberto por seu marido. Mas, nada.
Já passava das duas da manhã e ela ainda perambulava tonta de aflição pelos pensamentos que lhe vinham naquele momento: “Ele pode ter sido seqüestrado...Mas os seqüestradores me ligariam para pedir resgate...E desde quando seqüestram pobre? Num instante seguinte já lhe vinha outra situação: “Mas, e se ele sofreu algum tipo de acidente e neste momento está hospitalizado e sem documentos de identificação? Cruz credo, meu Deus!“. O tempo ia tomando os pensamentos da esposa: ”E se ele perdeu a memória, ou está desacordado em algum lugar, coitado?“. No entanto, no fundo no fundo ela temia o pior: “E se ele resolveu se engraçar com uma vagabunda qualquer pela rua, e perdeu a hora de voltar pra casa?...”Aí, eu mato aquele cachorro, estraçalho ele todinho!”
Seis da manhã de sábado, o telefone toca estridente. A mulher corre desengonçada para atendê-lo e uma voz masculina em tom grave anuncia que o Sr Quirino Tavares esteve no hospital desde as 19 horas do dia anterior, e que tinha acabado de ter alta médica. Que essas despesas seriam cobertas pelo convênio da empresa. Porém o paciente deixou de assinar a ficha do convênio. A voz grave assume então um tom solícito, e pede, gentilmente, que ele retorne o quanto antes para tomar essa providência, no hospital ou departamento de benefícios da empresa em que ele trabalha. Depois agradece e se despede cordialmente.
Diante da trágica notícia ela não pergunta nada apenas desliga atônita. A esposa então se redime dos pensamentos maléficos que teve em relação ao marido com uma vagabunda qualquer. Pudera, o homem esteve doente e passou a noite inteira num leito de hospital, coitadinho!
Não demorou e lá vinha o Quirino. Valise na mão, roupa amassada, cara de noite mal dormida, branquinho que só vendo! Dona Zica correu ao seu encontro e entre culpada e preocupada, amparou-o na entrada de casa oferecendo-lhe o braço. Não falou nada. O homem demonstrando fraqueza nas pernas, cambaleante, deitou de roupa e tudo, e foi dizendo: “Estou morto de cansado. Sabe onde passei a noite, Ziquinha?”. E ela com carinha de esposa cuidadosa, diz: “Claro que sei Quinzinho. Agora descanse, deite-se que eu vou preparar alguma coisa bem leve pra você comer”.
Outra cartada vitoriosa...