Segredo para sempre...

Adolescente e extrovertida eu era a filha do meio de uma família grande alegre e unida. Vivíamos passando trotes uns nos outros, brincávamos o tempo todo, e ríamos muito disso tudo.

Certa vez enviaram para uma revista internacional de relacionamentos amorosos, uma carta em meu nome cuja dizia que eu procurava homem carinhoso, maduro para namoro sério, e ainda juntaram uma foto. Engraçado foi que muitos me escreveram. Lotavam a caixa de correspondência todos os dias. Que tipo de homem responde a um anúncio desses? Cheia de curiosidade lia as missivas que vinham em envelopes coloridos, pintados à mão, com lacres especiais, e perfumes diversos. Vinham de todos os lugares do Brasil e de outras partes do mundo mas não me interessava por nenhuma delas. Exceto uma, anônima, que era entregue quase diariamente pelo carteiro Toninho. Sempre com envelope azul-marinho, perfumado, caligrafia esteticamente bem montada, frases maduras, nunca trouxe foto, e sem nenhum sinal de identificação do remetente. Falava sempre de um sentimento proibido, de sua intenção pecaminosa, descrevia sonhos eróticos, falava de perigos, de riscos, e exaltava seu desejo louco de me abraçar e quem sabe me beijar até. Eram românticas e diferentes de todas as outras cartas. No começo ri desse apaixonado desconhecido, mas com a regularidade de suas cartas, comecei dar atenção ao meu pretendente. Depois de alguns dias já ansiava quase desesperada pelas cartas dele. Queria escrever-lhe, mas não possuía seu endereço. Sonhava com meu desconhecido. Só me restava esperar que ele quisesse me encontrar, mas não o fazia. As cartas chegavam às dezenas, mas apenas a de envelope azul-marinho me interessava.

Minha relação com essas cartas era muito intensa. Minha família reclamou alegando que já estava virando obsessão. Passei então a tentar reverter a história e me mostrar mais interessada pelas pessoas que me cercavam.

Numa tarde fui à casa de Angélica, nossa vizinha, visitar o filho recém-nascido. Ela estava no banho e gritou de lá que eu a esperasse no quarto com o bebê. A criança dormia o sono dos anjos, então resolvi preencher meu tempo vendo um álbum de fotos que estava sobre a cômoda. Um perfume suave envolvia o quarto e me parecia familiar. Uma das gavetas entreaberta me chamou a atenção. Havia nela envelopes azuis-marinhos. Eram muitos e estavam sobrepostos, bem arrumadinhos num cantinho da gaveta. Fiquei estupefata. Será que meu anônimo apaixonado era o Marcelo, marido da Angélica? Jamais poderia imaginar. Tratei de abrir o álbum do bebê que continha a caligrafia dele, e constatei. Meu Deus, como nunca havia percebido nada? E como haveria de encará-los depois dessa descoberta? Mil coisas passavam pela minha cabeça naquele momento.

Nesse ínterim ouvi ruídos dele chegando, e eu com os envelopes na mão. Trêmula ainda sob o choque da descoberta. Inerte e sonhadora. Ele entrou sorrateiramente com uma carinha safada como nunca havia notado antes, perfumado, azul-marinho, maduro e romântico. Olhou-me com ar de cumplicidade, aproximou-se e beijou-me ternamente enquanto me abraçava. Partilhei desse momento encantador até que ouvimos a Angélica saindo do banho, então ele correu para a saída e a fez pensar que estava chegando naquele instante. Entrou nos cumprimentou alegremente fazendo muito barulho, e correu para seu bebê.

Nunca mais recebi nenhuma carta azul-marinho, mas guardei para sempre essa emoção.

Inesquecível momento... Perverso pecado... Delicioso segredo.

ANA MARIA MARUGGI
Enviado por ANA MARIA MARUGGI em 17/06/2008
Código do texto: T1038901
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