A ilha de Itaparica onde tudo começou...
Acordei hoje com uma imensa saudade de Lúcio. Relembrei com prazer, os nossos momentos de amor passados quase sempre nos veraneios, na ilha de Itaparica. O sol, a praia, as leituras, os saraus, os corpos quentes e bronzeados, o luar, o violão...
Acordei hoje a devanear, não fui trabalhar me dei férias por um dia, só para reviver e sentir as emoções de tudo o que vivemos juntos. Sinto saudades até das brigas, das cenas de ciúmes, do desejo ardente após "as pazes", do amanhecer e do anoitecer naquele pedacinho de céu.
No verão de 2001, infelizmente não pudemos ir para a ilha. Lúcio viajou para o exterior para estudar e eu arrumei um trabalho extra. Mas, creiam-me, estou sentindo de fato, na pele e no coração, cada acontecimento que vivenciamos em nossas passadas férias em solo baiano. E, embora eu seja paulista, e ele mineiro, foi na Bahia que a magia aconteceu em nossas vidas e nossos corpos ferveram; foi lá que esquecemos o cotidiano e mergulhamos na fantasia. Relembro agora, e rio novamente das "piadas", anedotas, causos, histórias de assombração, karaokê, concursos de danças, jogo da verdade... Tudo o que fazíamos juntamente com a nossa turma. Turma essa de todos os anos.
Nunca tive grandes ilusões em relação ao nosso futuro. Não fizemos planos ficarmos juntos, mas ainda assim, sonhei em revê-lo na praia Ponta de Areia, e no “Aconchego” o barzinho do nosso amigo Gaspar.
Tantos anos se passaram e Lucio não retornou para o Brasil. Soube que se casou nos Estados Unidos e que viria para cá em férias. Terminou o curso de hotelaria e viria montar um negócio, na linha verde, região próxima a Salvador com a sua mulher americana, agora sua sócia, empresária do ramo. E eu, uma simples comerciaria, pensei que havia conquistado o coração do jovem ambicioso!
A Ilha se tornou para mim, um lugar sagrado e saudoso, lá se encontravam minhas melhores lembranças. Resolvi juntar dinheiro e tocar a vida. O poder, o consumo, a vontade de crescer profissionalmente, o desejo de ser rico e frequentar a alta sociedade, fez Lúcio viajar para fora do seu país e encontrar a mulher que poderia dividir com ele esses mesmos ideais.
Estou hoje a devanear, a sentir saudades, lembranças do homem que amei. Ora! Contradigo-me a cada instante: amei mesmo? Ou amo ainda? Nesse exato momento, já não sei...
Como será ela, a esposa americana? Ah, deixa pra lá, para que saber? Meu mundo ainda é o mesmo, os meus sonhos são modestos e a minha vida, um mar de solidão, mas também de esperanças.
Foram dez anos viajando juntos, contando o dinheirinho para o veraneio. Foram dez anos de trabalho árduo, para no verão viver uma vida de princesa, rodeada de amigos, num clima maravilhoso de partilha e doação.
Em meu apartamento de quarto e sala, naquele fatídico dia 3 de novembro de 2003, olhei pela persiana e vi a multidão que passava apressadamente. Chovia e fazia frio. As pessoas corriam para atravessar a rua, carros buzinavam no engarrafamento, luzes piscavam, a multidão se movia como máquina, sem emoção. E eu, a pensar na Bahia quente, envolvente, caliente e no amor perdido de Lúcio. Jamais pensei que iria com ele me casar, mas viver uma louca e grande história de amor, daquelas que a gente nunca esquece que conta para os filhos, para os netos... Quando o conheci ele era uma pessoa bastante simples, ao meu alcance, um gerente de hotel de classe média, um homem sensível, amoroso.
Nessa noite, liguei o computador maquinalmente,
Li os e-mails que os amigos me mandaram, comecei a respondê-los, com o pensamento longe, muito longe... De repente ouvi o telefone tocar seguidamente, ignorei-o e fui dormir. A chuva caia torrencialmente e mandei mentalmente que ela lavasse a minha alma e levasse para sempre a minha angustia o meu pesar. O telefone voltou a tocar insistentemente, sai da cama meio embrutecida. Quem poderia ser numa noite chuvosa e àquela hora? Havia desligado o celular, não queria ser incomodada. Mas o telefone fixo, bem, esse quase não tocava mais... Era uma peça meio esquecida agora.
Alô? Falei com uma voz ríspida. A pessoa do outro lado da linha me pareceu desesperada. – Alô é Márcia, irmã de Lúcio, lembra-se de mim? Lembrava vagamente, só a tinha visto uma vez, quando nos acompanhou para mais uma viagem de férias. - Oh sim, aconteceu alguma coisa? – Sim, estou avisando que o Lúcio... Bem... O Lúcio... - Fala! O que foi que ocorreu? Falei apressadamente e com a voz trêmula.
- Ele Morreu! Disse ela entrecortando as palavras. Continuou a dizer. - O avião que ele estava viajando para o Brasil, caiu e todos os passageiros morreram. Desmaiei. Acordei horas depois e chorei tudo o que tinha para chorar. Mas após refletir muito fiquei aliviada. A chuva havia lavado a minha alma e eu estava agora pronta para recomeçar. Voltar à Bahia? Certamente! Pensei. Lá poderá estar um novo amor para minha vida, na Ilha de Itaparica em qualquer pontinho daquele oásis. Lúcio? Sim, ainda lembro dele, como hoje, com muitas saudades, mas sem remorsos. Ele se foi com os seus desejos de riqueza e poder. Eu, no entanto, fiquei com o meu, o de amar e ser amada, é o que desejo ardentemente. Relembro o passado para não cometer no presente os mesmos erros. Agora vou investir numa relação mais verdadeira. Sonhar? Sempre! Mas dentro das possibilidades.