A Pesca do Pirarucu
O despertador trinou exatamente às 05:00 da madrugada. Joca Aruanã, um caboclo oriundo de Santo Antônio do Guaporé, um pequeno povoado às margens do Rio Guaporé; distante algumas horas de barco da cidade de Costa Marques - município do Estado de Rondônia -, abriu os olhos e sentou de atravessado na rede; no escuro do quarto iluminado apenas pelas luzes dos postes da rua que entravam pelas frestas da parede de tábua, tateou com os pés o assoalho de chão batido à procura dos chinelos. Ficou em pé, pegou a toalha de tecido barato, jogou-a por sobre os ombros e se dirigiu para a latada nos fundos da pensão para fazer as abluções. De rosto lavado e dentes escovados, botou o bule com água para ferver no fogão de duas bocas para fazer um café forte e acordar de vez. Vestiu a velha calça jeans, calçou o tênis, pegou a mochila e verificou se os materiais de trabalho estavam todos em ordem; limpou um pouco de terra da colher de pedreiro, ajeitou a linha do prumo e por fim foi até a mesinha de fórmica onde estava o fogão, pegou o pó de café, o açúcar e preparou a bebida revigorante. Encheu a caneca, tomou um grande gole, vestiu a camisa, jogou a mochila no ombro e foi para o ponto de ônibus.
As nuvens rubras da barra da manhã no horizonte prenunciavam um dia quente, calor de quarenta graus. E como de costume, sol de rachar mamona. Embarcou no ônibus e ficou observando a paisagem sem cor ao seu redor. A maior parte dos barracos naquela parte do bairro era construído de madeira barata e coberto com telha de zinco; os inúmeros buracos das ruas faziam os passageiros trepidarem até alcançarem a rua principal, única com asfalto. Todo dia era a mesma monotonia do percurso trepidante até a rua asfaltada. Deu um sorriso zombeteiro do próprio raciocínio. “Como é que um ônibus coletivo ia mudar de percurso, ia mudar de linha?"
Joca Aruanã era operário da construção civil. Até aquele dia, não entendia a loucura cometida de abandonar a vida simples que levava à beira do Rio Guaporé, onde tudo fluía de acordo com o curso das águas, sem aperreio, sem capataz de obra apontando defeito em tudo e em todos a toda hora; sem poluição, sem violência, e mais importante, sem conta para pagar; o rio e a floresta a tudo e a todos proviam, seja no verão, tempo de seca, de vazante, seja no inverno, tempo de chuva, de cheia. Um belo dia, sem quê nem para quê juntara os trapos e os parcos recursos e viera parar em Porto Velho, capital do Estado, e agora estava ali, no banco de um ônibus indo trabalhar na construção do primeiro shopping de Rondônia, o Shopping Porto Velho. Àquela hora do dia o coletivo estava lotado; no dizer do pessoal da cidade, estava saindo gente pelo ladrão. Pela janela entrava o som das buzinas, o ronco dos motores acelerando empurrava para dentro do coletivo a fumaça acre dos canos de descarga; particularmente, uma motocicleta o ensurdecia e aos demais passageiros; no ponto do ônibus, pessoas que não podiam embarcar xingavam o motorista e o cobrador; pela expressão sisuda de estudantes uniformizados, empregados dos comércios, funcionários públicos, aposentados e até algumas crianças sentadas e em pé, percebia-se que o estresse dormia e acordava com todos.
Nostálgico da tranqüilidade da vida interiorana encostou a cabeça no vidro da janela, fechou os olhos e aos poucos os sons estridentes dos rios da cidade atulhados de caminhões, táxis, bonitos carros de passeio, luxuosas camionetes, bicicletas, motocicletas, caminhões de lixo e gente taciturna, de ombros caídos, foram sendo substituídos pelo burburinho macio das águas do rio amigo. O cinza-chumbo da fumaça dos carros, motocicletas e ônibus foi sendo encoberto pelo verde multicor das matas madrinhas das margens do Rio Guaporé; o embalo do banco do veículo lentamente foi sendo substituído pelo leve deslizar da “montaria” (canoa construída de madeira itaúba) nas calmas águas do rio companheiro.
De repente Joca Aruanã estava de volta ao sítio amado, o Vale do Guaporé. Era novamente o caboclo orgulhoso de suas habilidades ribeirinhas. Era o altivo nativo em pé sobre a montaria que navegava as plácidas águas dos lagos piscosos da Bacia do Guaporé. Via-se navegando a pequena canoa de dois metros e cinqüenta centímetros de comprimento por cinqüenta centímetros de largura; era uma canoa rasa, com calado que não chegava a quarenta centímetros do fundo à linha da borda. Lembrava que levava consigo, no fundo da pequena canoa, junto ao banco do piloto, o pequeno cesto de talas e tampa móvel, o “uru”. Dentro do cesto estava o isqueiro, o tabaco, a palha de “tauari” para o comprido cigarro que ajudava nas horas de espera, anzóis, chumbinhos e a pequena faca de picar fumo. Junto ao cesto estavam duas carretilhas de linha de pesca, duas bóias, dois bicos de arpão, o cacete de bater na cabeça dos peixes para matá-los mais rápido depois de pescados, e um grande facão, usado para cortar os galhos de “unha-de-gato” que deitavam por sobre as margens dos igarapés, dificultando a navegação e o arremesso da zagaia. Como se assistisse a um filme, via-se trajando umas indumentárias simples, constituídas de camisa de sarja marrom claro, solta, curta, mal lhe chegando ao cós da calça de brim azul que a inclemência do sol desbotara deixando-a tão clara que de longe parecia que era mais branco que azul. À cintura, como se cinturão fosse, trazia um pedaço de corda segurando a calça de pernas curtas que lhe chegava até o meio da canelas; a cabeça era protegida por um chapéu de abas abaixadas, confeccionado de folhas da palmeira de tucumã, enterrado até às orelhas.
Naquele início de dia ensolarado de setembro, a vazante fazia as águas voltaram para o leito do Guaporé e seus tributários, estes por sua vez, corriam céleres para o Rio Madeira, que corria para o Rio Amazonas e dali para o mar. O rio baixara muito, a maioria dos lagos ficaram isolados; somente os filhos daquelas águas conheciam os furos, igarapés, paranás e lagos que rendilhavam, cintilantes, aquele pedaço da planície amazônida. Para um estrangeiro, a planície da Bacia do Guaporé era um quebra-cabeça indecifrável, não raro pescadores citadinos ficarem perdidos. Sempre era uma fonte de renda servir de guia para os brabos (apelido que os nativos davam para quem desconhecia a região) da cidade. Joca Aruanã acordara cedo, o sol nem tinha raiado ainda. Era necessário sair bem cedinho para a pescaria ser promissora, depois que o sol estava alto, os ventos, os biguás e martins pescadores espantavam os peixes maiores, e naquele dia, Joca saíra para pescar um pirarucu; no domingo seria dia de festa no povoado e ele queria fazer jus à fama de maior pescador daquela região, levando o maior peixe entre todos os pescados para a festa.
Ainda escuro embarcara na montaria, a pequena canoa por ele carinhosamente apelidada de “Rosinha”, em homenagem à namorada Maria Rosa, cabocla sestrosa, que na sua modesta opinião era a mais bonita e cheirosa daquelas paragens. Joca toda vez que lembrava do cheiro de lavanda e manjericão da mulher querida sentia os pelos da nuca arrepiarem. Pensando em Maria Rosa e com um sorriso lascivo nos lábios atravessara da margem esquerda para a margem direita, e do outro lado enveredara pelo “Igarapé do Macaco” e quase na metade do igarapé, pegara um furo para sair no “Lago Buriti”; o atravessara, pegara outro furo e finalmente saíra no “Lago do Espelho”; o lago fora batizado de “espelho” porque suas águas tranqüilas refletiam à perfeição o branco das nuvens e o azul celeste do céu amazônico emoldurado pelas multifacetadas sombras das árvores que naquele início de verão explodiam em flores com cores de variados matizes. Joca quando pescava no “Lago do Espelho” sentia-se no paraíso descrito pelo Padre Hermann, alemão que de vez em quando aparecia pela região e que era mais chegado a caçadas e pescarias do que a batizados e casamentos.
O caboclo, empertigado em pé na pequena canoa, sentiu os olhos arderem com a luminosidade do sol refletida no espelho de água pontilhada aqui e acolá de pequenas moitas de perimembecas; grandes touceiras de aguapés no meio do lago moviam-se suavemente empurradas pela leve brisa da manhã. À frente da proa da montaria, junto à margem circular do lago, por entre as talas de canaranas e tiriricas, o cascudo tamuatá e as agitadas piabas de vez em quando saltavam e sumiam no tijuco das margens. O barulho de rebojo na água no outro lado do lago preocupou Joca Araruanã, era um bando de capivaras no banho matinal. Uma garça sobrevoou por sobre sua cabeça e graciosamente planou em direção a uma altiva perobeira que servia de ninhal; olhando em direção a árvore, ao pé do tronco, o caboclo viu jacarés de olhos gulosos ansiando pela queda dos filhotes chilreantes de garças, colhereiros e outras aves aquáticas.
Joca afundou levemente o remo na água e cuidadosamente impulsionou a minúscula canoa por entre as gramíneas, aguapés e matupás que abundavam por todo o lago. Os olhos e ouvidos atentos esperando ver ou ouvir o “bululu” do pipocar das bolhas de ar da respiração do rei do lago, o pirarucu. Quem sabe dava sorte de ver o rebojo do salto do grande peixe e daí poder prever a direção seguida para arremessar o arpão para fisgar o troféu. A transparência das águas era ofuscada pelos capins flutuantes e grandes vitórias-régias com suas alvas flores; era preciso ficar atento ao menor burburinho das águas. Pirarucu é um peixe esperto, costuma caçar por entre a vegetação aquática, de preferência por entre as canaranas, na raiz, povoadas de pequenos pacus, acarás, mandupés e piaus, e se as canaranas estiverem sob as sombras das árvores que margeiam o lago, era quase certo o sucesso da pescaria.
O caboclo no dia anterior havia preparado o arpão para a pescaria planejada. Afiara o bico de ferro cheio de farpas em forma de ponta de flecha, tendo a parte superior desse bico alargando-se num cone truncado, côncavo, de base voltada para cima, de nome “alvado”, medindo cerca de sete milímetros de raio onde seria engatada a ponta inferior da haste; verificara o prumo da haste com cerca de dois metros e noventa centímetros de comprimento e feita da resistente madeira “abiurana”, tendo o diâmetro perto do bico, medindo aproximadamente sete milímetros o qual ia diminuindo de diâmetro até ficar com cerca de três milímetros da empunhadura à ponta final. Tivera que trocar a ‘estruva’ desgastada; ‘estruva’ era o amarrado, nó de marinheiro, feito na ponta de rijo cordão com aproximadamente trinta metros de comprimento. Esse cordão ou linha, era amarrado na alça do bico de ferro, que após o lançamento da haste pelo pescador e após ser cravado no lombo do animal soltava-se da haste ficando o pescador com outra ponta da linha amarrada à proa da montaria como se fora uma linha de pesca com anzol fisgado.
O “bululu”, pipocar de borbulhas na sombra de uma piranheira, árvore de frutos duros muito apreciados pelos tambaquis e jatuaranas, chamou a atenção de Joca Aruanà; seus olhos treinados procuraram a “siriringa”, o quase imperceptível movimento da superfície da água provocado pelo deslocamento das camadas inferiores. Viu-a, e calmamente, sem pressa, pressentiu a direção seguida pelo grande peixe; ergueu o braço forte segurando o arpão com a palma da mão, elevou-a a altura do ombro e num impulso rápido lançou o arpão a alguns palmos à frente da “siriringa”; arpoador experiente, Joca sabia que a leve ondulação na superfície se dava porque o pirarucu de vez em quando nadava há dois ou três palmos abaixo da superfície. A grande haste fincou o bico de ferro em forma de flecha com pequenas aspas em suas laterais no gordo costado do rei do lago, próximo à cabeça. O gigante sentiu o impacto do farpado bico de ferro perfurando as duras escamas e vencendo a frágil resistência do couro escamoso, rasgar a carne e penetrar fundo por entre as espinhas, e com o solavanco da fuga engatar por entre as vértebras, aprisionando o majestoso animal às farpas do bico de ferro.
Desesperado, o peixe escarlate impulsionou as nadadeiras dorsais e nadou em zigue-zague empreendendo fuga desabalada a poucos palmos abaixo da superfície, a linha ou fio como o chamam os nativos, silvou ao desenrolar-se velozmente no fundo da montaria. Por artimanha da sabedoria cabocla a ponta de ferro do arpão era ligada a um engenhoso dispositivo que se constitui de uma linha que presa no “alvado” do bico o acompanha na haste até mais ou menos dois terços dela, e, aí, uma farpa de madeira fortemente marrada por uma linha grossa faz uma saliência que o nativo denomina presilha, e na distância correspondente da linha existe um outro pequeno fio fixamente amarrado em forma de laço que, encaixado o bico na haste e a corda esticada, é passado na presilha para conservar a linha tensa e o bico preso, a parte restante da linha sobe frouxa até a extremidade superior da haste passando por uma presilha em forma de anel previamente amarrado ali, e desse anel a linha segue até a mão do pescador, tendo a sua ponta sido amarrada no banco da proa. Quando o peixe é ferido o laço que conserva tensa e firme a linha nos dois terços da haste, com a violência do choque salta da presilha liberando a haste do bico, servindo à haste, o papel de bóia que seguirá o grande peixe por todo lago, caso a sua força descomunal ponha em risco a estabilidade da canoa e a segurança do pescador. Quando tal não acontece o pescador segue o gigante vermelho puxado pela corda presa ao animal.
No silêncio do lago, ouviu-se um estridente grito de vitória do predador abatendo a presa. Joca, satisfeito pela certeza do sucesso da caçada exultava antevendo os olhares invejosos dos concorrentes e de admiração das mulheres do vilarejo, principalmente de Maria Rosa. Pelo assobio da linha desenrolando e pelo puxão que esta deu na proa da montaria, Joca calculou que a presa era uma das maiores já pescadas naqueles lagos e rios. De súbito, a linha que estava tesa, afrouxou, era o gigante nadando em direção à canoa. Joca em pé no meio da montaria retesou os músculos das pernas e agachou-se para sentar no banco da popa a fim de esperar a trombada iminente entre o peixe enfurecido e a canoa que seguia célere em seu encalço, porém, o rei dos lagos a poucos metros da pequena piroga deu um salto acrobático para fora da água, partindo ao meio uma vitória régia e levando atrás de si bolhas de ar, pedaços de aguapé, tiras de “perimembecas” e folhas de canaranas. O pescador no átimo de segundo que durou o fenomenal salto do animal ferido, vislumbrou o brilho cintilante do sol nas escamas de coloração escura do lombo e o escarlate intenso das escamas abaixo do lombo até a barriga esbranquiçada. Antes de afundar, o peixe mostrou os desesperados olhos arregalados de terror ante a derrota iminente. Mergulhou e empreendendo nova tentativa de se libertar do implacável fisgo do bico de ferro, nadou em direção ao meio do lago puxando atrás de si a canoa e a vegetação aquática que abundava no caminho da fuga. Agora sentado, Joca, na certeza de que o peixe está firmemente fisgado ao bico de ferro do arpão, acende um cigarro de “tauari”, toma um gole de mata-bicho e calmamente vai administrando a fuga do grande peixe; ora puxa a linha alguns metros, ora afrouxa toda a linha deixando-a tesa, vibrando, soltando pequenas nuvens de gotículas. Com o esforço de puxar, segurar e soltar, Joca sente as mãos arderem com o atrito da linha. O peixe é grande, no salto do gigante em vã tentatia de fuga, o pescador calculou que o pirarucu teria entre dois metros a dois metros e meio de comprimento. Talvez pesasse uns setenta e oitenta quilos. Era a única explicação para tamanha força.
E o embate perdurou horas.
A rotina era a mesma, Joca dava linha e recolhia. Ora deixava o gigante puxar a canoa livremente, ora usava o remo a guisa de freio, firmando-o de atravessado na água. Por fim o gigantesco peixe deixou-se arrastar até o costado da canoa. Exangue. Entregue e exausto do esforço inútil para fugir. Joca tirou o chapéu, benzeu-se e agradeceu aos céus e ao lago pela dádiva da presa concedida. Nem precisou usar o porrete para terminar de abater o rei do lago já moribundo. De fato, o pirarucu era descomunal, quase do comprimento e largura da montaria; Joca constatou que seria perigoso tentar embarcar o enorme peixe, então o amarrou a reboque na pequena canoa e tomou o caminho de volta. Saiu do “Lago do Espelho”, pegou o furo que dava para o “Lado do Buriti”, atravessou-o e entrou no segundo furo; enveredou pelo “Igarapé do Macaco” e saiu à margem direita do Guaporé. Amarrou a corda de atracação nas talas de canaranas da margem, puxou a linha que prendia o peixe a reboque e o amarrou no sentido longitudinal à canoa. Assim, a correnteza não puxaria o peixe dificultando a navegação da montaria. Remou rente à margem direita uns quinhentos metros rio acima. Devido a forte correnteza do rio, dependendo da localização do destino, era sempre necessário subir o rio rente à margem onde a correnteza era menor, o que exigia menos esforço; depois, era só remar para o meio do rio e deixar o trabalho de impulsão a cargo da correnteza.
Para mostrar destreza na navegação da pequena canoa, Joca ficou de pé no meio dela. As pernas levemente abertas, fixavam os pés ao fundo do casco; no qual, um deles servia de contrapeso para o pirarucu amarrado ao lado. Levantou a cabeça, ajeitou o chapéu, acendeu o cigarro de “touari”, tomou mais um gole de mata-bicho, olhou para a margem esquerda e vislumbrou alguns “curumins” que brincavam de “Rouba Bandeira” na pequena praia; um deles corria com uma folha de bananeira na mão, provavelmente a bandeira de um dos times, tentando fugir à perseguição de outro; outros meninos davam “cangapés” dentro da água, gostou da destreza de um deles. O moleque mergulhava a metade do corpo e lá no fundo fazia a reviravolta, e com o impulso da perna esquerda dava velocidade na perna direita que batia estrondosamente na água, o moleque executava à perfeição a brincadeira do “cangapé”, era um mestre.
Quando os “curumins” viram Joca Aruanà aproximando a montaria do trapiche armado no fim da pequena praia de areias branquíssimas, esqueceram as brincadeiras e correram em atropelo para o jovem caboclo de pele acobreada. Para muitos deles, aquele pescador e caçador era o exemplo de destreza e valentia.
Joca estava com a metade do corpo dentro da água tentando desamarrar o troféu que firmaria de vez a sua fama de maior pescador daquela região quando alguém bateu no seu ombro para chamar a sua atenção:
-Acorda, homem de Deus! –Vai dormir o dia todo? –Assim que você sentou, encostou a cabeça no vidro e em pouco tempo dormiu. Eu até me diverti vendo você sorrir dormindo, parecia até que você estava no céu, tanta era a felicidade estampada no seu rosto.
Ainda meio zonzo, sem entender exatamente onde estava, Joca esfregou os olhos sonolentos e endireitou-se no banco do ônibus, olhou para o outro passageiro que falava com ele e exclamou:
-Ave Maria! E eu achando que estava pescando um baita de um pirarucu. Que nada! Eu estou é num banco de ônibus, em Porto Velho, cheirando fumaça de motor e no meio de uma barulheira infernal. –Que mal lhe pergunte companheiro, que dia é hoje?
-Hoje é sexta-feira, final de mês e dia de pagamento, meu amigo! Hoje não tem peão pobre na obra do “chopíng”. –E tu? Vai fazer o quê com o teu pagamento?
-Eu? –Eu vou voltar para casa. –Vou voltar para o meu querido Vale do Guaporé. –Lá, meu camarada! Eu sou amigo do Rei.
-Que rei? –Ficou abestado, é? –Abilolou de vez? –Esqueceu que a gente vive no Brasil, cara! –Aqui num tem rei nenhum. –Aqui quem manda é o presidente, que por acaso é o Lula, trambiqueiro que só ele mesmo, e já está no segundo mandato. –De que planeta foi que você saiu?
-O rio, meu camarada! –O rio é o meu Rei! –É ele quem comanda a minha vida, ele e a Mãe Natureza, e a casa dela é o Vale do Guaporé. –Lá eu tenho uma Eva e um Paraíso me esperando.