TIPOS DE MÃE (1)
Durante a sua infância inteira ela ouviu a mãe dizer que um dia ia embora...
- Um dia eu vou embora dessa casa... ou
- Olha, eu vou sumir, você nunca mais vai me ver... ou ainda
- Qualquer dia você vai acordar e não vai me encontrar. Eu vou embora e não volto mais. Seu pai vai casar de novo, vai arrumar uma madrasta bem ruim pra você. Ela vai te maltratar e aí você vai sentir saudades de mim.
Cresceu ouvindo outras coisas também. Os pais brigando, trancados na cozinha. Lá de dentro a mãe gritava: “- Joaquim não faz assim. Não faz isso Joaquim. Pára Joaquim”.
Ela ficava sentadinha no sofá ouvindo aquilo tudo. O quê poderia fazer? Já tinha tentado entrar na cozinha, mas a porta estava trancada à chave. Só lhe restava esperar que eles parassem. Tinha medo do estado em que a mãe estaria quando saísse de lá de dentro. O pai era agressivo, estava batendo na mãe, o coração apertado, a mãe gritando. Durante muitos anos, quase uma vida, pensou que o pai tinha agredido a mãe...
- Mãe, por que você e o papai estavam brigando?
A mãe respondia:
- Brigando? Nós não estávamos brigando. Você não ouviu nada... ou então
- Isso é tudo coisa da sua cabeça.
Não era não. Ela sabia que era uma maneira esfarrapada de não assumir, de não falar a verdade. Após muitos anos, quando já era mais velha que a mãe naquela época, considerou a possibilidade de estarem se relacionando sexualmente. Uma forma que o pai encontrou de mostrar quem era o homem naquela casa e calar a boca da mulher. E a mãe, escandalosa e histérica que era, aproveitava para chamar a atenção da vizinhança inteira.
A menina tinha motivos de sobra para não dormir à noite. Como dormir se um dia poderia acordar e a mãe não estaria mais lá. Teve uma noite em que ela acordou e ouviu que estavam conversando na sala. A conversa era mais ou menos assim:
- Não vai, o pai dizia.
- Eu vou, ela respondia.
Silêncio.
- Não vai, ele pedia.
- Eu vou, ela reafirmava, mas não se mexia.
A menina desceu as escadas e viu a mala enorme ao lado da mãe. Sentou-se ao seu lado e perguntou:
- Mãe, aonde você vai?
- Vou levar estas roupas na igreja.
Naquela hora?! Duas, três da madrugada?
- Eu vou com você.
Como terminou aquele impasse ficou obscuro para a menina, mas é claro, a mãe não foi embora e não é de surpreender que a menina tenha precisado dormir na cama deles.
Passaram-se anos, mudaram de casa e a mãe sempre ameaçando que ia embora. Um dia, ela estava indo à escola. No exato momento em que saiu pela porta, quando ganhou a luz do dia nos olhos, outra luz se fez dentro dela.
- Peraí, se ela não foi embora até hoje é porque ela não quer ir.
Foi muito bom concluir isso. Foi lhe tirar um peso, pois ela acreditava que era responsabilidade sua deixar a mãe satisfeita para que ela quisesse ficar.
Quando já na faculdade, a mãe veio com a história:
- Olha, eu vou embora. Vocês nunca mais vão me encontrar, nem adianta vir me procurar.
E então veio de dentro dela uma resposta inédita:
- Não fala mais que você vai embora. Sabe o quê você faz? Vá. Porque eu não agüento mais ouvir você falar que vai e não ir.
Depois, durante muitos anos, ela nunca mais ameaçou.
Houve um dia então, no meio de uma briga homérica entre as duas mulheres, uma já muito envelhecida e a outra já bastante madura, a filha estressada por ter que administrar a situação de luto e órfã recente de pai (porque de mãe, já era órfã há muito tempo), uma mãe enlouquecendo por sentir-se despreparada para enfrentar a vida, mas sem poder se apoiar na filha que estava tentando ampará-la. A filha diz num desabafo:
- Estou indo embora! Eu estou indo para a minha casa.
A menina mulher madura havia montado um apartamento para onde pretendia mudar-se em breve. A morte do pai foi um fato inesperado que a fez mudar, temporariamente, os planos.
Ouvindo aquelas palavras, a mãe dá um passo atrás e olha diretamente nos olhos da filha. Este era um comportamento muito diferente dos que a mãe apresentava ultimamente, andar pela casa agredindo a filha, espinafrando a tudo e a todos...
- Não, eu é que vou embora.
A filha, nesse momento, fez uma negativa com o dedo indicador bem na frente do nariz da mãe, dizendo de forma assertiva:
- Não vai não. Esta casa é sua. Eu não vou assumir a sua casa por você.
Ainda não dá para saber como esta história acaba. A menina mulher madura espera sinceramente que as suas promessas a si mesma não sejam vazias nem somente ameaças, como eram as da mãe. Só assim poderia ser uma mãe de outro tipo para ela mesma.