A GRANDE CIDADE

Andando pelas ruas de uma grande cidade, parei por um minuto e comecei a refletir sobre o que mais nos afligia naquele momento. Uma mistura de dor e sentimento assentou-se em minha mente, e tive a idéia de caminhar, sem rumo, e assim refazer conceitos, filosofias. Eu queria talvez poder salvar o mundo. Mas vocês podem me perguntar: por que salvar o mundo? Se formos analisar a situação mundial deste 3º milênio, podemos concluir que o mundo já está salvo. Salvo? Como?

Bem, há pouco mais de 150 anos ainda estávamos na era do cavalo, das charretes. As garagens eram as cocheiras, e, para viajar de uma cidade para a outra, do Rio para São Paulo, por exemplo, levava-se de 1 a 2 dias de montaria pesada. Hoje, em pouco mais de 45 minutos fazemos o mesmo caminho e ainda podemos escolher qual a empresa e qual o valor que queremos pagar.

No mesmo período de tempo, no passado, uma simples gripe poderia ser um sinal de morte. As farmácias, nos tempos atuais, vendem remédios para gripe pelos quais você paga uma pequena quantia, e, associados a um pequeno repouso, pronto, você está curado.

Fiz todas as reflexões possíveis neste sentido e durante horas caminhei pelas ruas, sem rumo, mas acabara de achar várias soluções para vários problemas humanos.

Como outro exemplo, posso citar a questão da alimentação. No passado, coisa de 70 anos atrás, não existia um aparelho capaz de refrigerar os alimentos. Por isso, quando comprava-se carne, seja de que animal fosse, era necessário o consumo imediato. Com certeza gastava-se mais, pois hoje podemos inclusive congelar as sobras de carne e uma semana depois voltar a consumir o que fora o almoço ou jantar de dias antes. Eis a geladeira, o freezer vertical, horizontal, ... Escolha o modelo, e pronto, problema resolvido.

Por que, então, o homem atual se sente tão infeliz? Com certeza era o meu objetivo, nessa caminhada, tentar encontrar a solução principal para o mundo: a felicidade. Achei até que iria enlouquecer; os avanços dos seres humanos eram gigantescos. No século XV, o homem avançou como nunca havia avançado antes. Agora, o homem enfim era dono do seu próprio destino - Que maravilha! - gritei no meio da rua. Agora não era mais preciso consultar os gênios, os deuses, para determinarmos o nosso caminho.

Outra área de grandes, grandes avanços, foi a área sexual. Hoje, homens e mulheres não necessitam mais ficar amarrados a uma pessoa para o resto de suas vidas. Se você é do tipo independente, mas gosta de algo mais selecionado, basta escolher parceiros e fazer uma agenda semanal, ou até mensal, e administrá-la. Só tenha cuidado para não se atrapalhar e agendar duas pessoas para o mesmo dia. Se você é do tipo mais vulgar, não se aborreça, abra o jornal e vá encontrar homens e mulheres disponíveis para o sexo, sem preconceitos, e por pouco dinheiro. O único risco que você corre é se a camisinha de vênus furar; você pode pegar uma doença, mas existem remédios que inclusive podem amenizar os sofrimentos de doenças graves, como a AIDS. É… a vida está desse jeito, o mundo evoluiu para melhor, você não concorda?

Existem também os que gostam de dividir o seu prazer. Para isso, basta que você se associe a um clube de swingers e ceda a sua mulher ou homem por algumas horas para que ele ou ela tenha momentos de prazer diferentes. Não é legal? Acabou a escravidão do casamento! Que evolução! Poderíamos citar outros exemplos, mas acho desnecessário. As minhas conclusões já estavam ficando completas.

Pensei nas doenças graves cuja cura foi encontrada, no conforto, nos aparelhos eletrônicos, no prazer fácil, nos transportes, nas moradias, na comida produzida em laboratório, não dependendo mais do clima. Andei tanto que percebi que estava perdido. Me concentrei tanto nas conclusões que atravessei ruas, avenidas e não percebi que me afastava do meu caminho. Quando descobri, fiquei em desespero. Vi que estava num lugar ermo, sem ninguém para me ajudar a encontrar o caminho de volta. Que lugar era aquele? Não tinha árvores, carros, construções, nada; somente a rua em que estava e mais nada.

Ora, chega ser antagônico. Me comprometi a achar soluções para o mundo e seu principal problema, e agora estava perdido. Cadê as facilidades de localização, transporte e informação que eu havia descoberto nos meus pensamentos? Bem, mesmo assim, continuei a andar, tentando encontrar a tão sonhada volta para casa. Então, pensei: “Ora, se vim por uma direção, basta voltar por esta mesma direção e encontrarei meu caminho”. Foi o que fiz. Dei meia volta e retornei por onde tinha vindo. Mas, nada. Andei por muitas horas e não achei nada.

O que está acontecendo? Por que esse mundo maravilhoso que descobri não vem me ajudar agora? Parei de caminhar, resolvi tentar raciocinar um pouco sobre o que deveria fazer naquele momento. Minha mente estava tão impregnada com o mundo moderno, que foi impossível achar uma saída.

Fiquei perdido durante horas, dias, noites, e hoje estou tão fraco com tudo o que aconteceu que acho que não há mais solução para encontrar tudo que perdi. Caí em tristeza profunda, fui ao fundo do poço.

Depois de muito tempo neste estado, finalmente cheguei a uma conclusão: o que nos faz andar durante horas, maravilhado, achando que vivemos no mundo das maravilhas, são as facilidades e banalidades que este mundo nos impõe. Ao andar tanto, concluindo que vivia num mundo perfeito, fui incapaz de perceber que os valores e as “maravilhas” que o mundo moderno proporcionam são falsos. São mentiras criadas para que você perca o caminho. São miragens que te afastam das verdades, e as verdades são as coisas que vêm dos sentimentos sinceros, verdadeiros e que infelizmente nenhuma tecnologia pode reproduzir.

Pensando desse jeito, achei o caminho de volta para a grande cidade. Achei o caminho e a minha vida se transformou. Pena que sou apenas um homem que se propôs a fazer tal empreitada. Todos os dias sou obrigado a ver e ouvir novos deslumbrados caminhando pela estrada das miragens sem volta, mas a maioria não tem a mesma sorte que tive. Seguem a estrada e permanecem nela a vida inteira. Descem a sepultura e mesmo assim não voltam para a verdade.

Não quero mais salvar o mundo. Quero apenas salvar a mim mesmo. Cada um é dono, único e exclusivo do seu caminho e do que achamos que é verdadeiro, e isso tem que ser óbvio, não acham?

MARCELO PEREIRA