ANTES TARDE, QUE NUNCA! (Bê de Beatriz)
BÊ
Já faziam três, talvez quatro fins de semanas, que ao levar os netos para ver a banda se apresentar no coreto, ele via aquela moça sentada no banco ao lado do seu, olhando-o com insistência.
Razoavelmente bem trajada, parecia lembrar-lhe alguém. Desviava os olhos, mas ao voltar a cabeça rapidamente, via-a sorrindo para ele. Tinha medo que alguém percebesse aquele olhar e maliciasse o sorriso da moça.
Naquela noite, a banda atacou a "Aquarela do Brasil" e convidando os netos para comprar pipoca, de propósito, passou em frente à insistente e ensaiou um: "Boa noite!". Recebeu um: "Está linda!". Isto o deixou mais aturdido, pois não estava acostumado a ser tão audacioso, mas decidiu ir mais além. Ao voltar da pipoca, com os netos correndo à frente, para ocuparem o banco, passa pela moça e pergunta: "Nos conhecemos?"
"Não, mas ouvi falar muito no senhor!"
O senhor soou como algo respeitoso e não indiscreto, como pensara que ela tentara ser. Ousou sentar-se ao lado dela, esquecendo, por um momento, os netos.
"E o que ouviu de mim?"
"Antes de mais nada, queria dizer-lhe o quanto sentimos a morte de sua esposa!"
"Sentimos?..."
"Sim, eu e vovó!"
"Vovó?..."
"Beatriz!"
Um vazio abriu-se diante dele. Um filme se desenrolou, como uma super-produção.
Namorara Beatriz dos 15 aos 23 anos, quando o pai dela, um diretor de uma multinacional, fora transferido para a Venezuela.
O namoro foi esfriando até a ruptura, com ele jurando nunca mais namorar.
Conhecera a Do Carmo, como a chamava, numa festa sem graça, onde passara o tempo todo no jardim da casa da prima. Estava sentindo um enorme tédio, quando sentiu-se espionado. Do Carmo estava de branco, com uma luva branca e uma blusinha decotada creme. Sorriram e seis meses depois se casaram. Ele já estava trintão, formado fazia sete anos.
O casamento correra morno, mas traía a Do Carmo, quando se escondia a escrever poemas em memória a Beatriz.
Há dois anos, o tumor surgira no útero da Do Carmo, com raízes para o intestino. Indolor, mas explicava o uso constante dos laxantes, até o sangramento fatal, quando os doutores resolveram descobrir o quê em várias consultas não viram. Era tarde! A "era Do Carmo", como interiormente intitulava, durou mais três meses.
Foi um velório sofrido para os filhos e trazendo um certa sensação de liberdade para si. Não a amava, mas a fizera feliz, embora fora sempre silencioso.
De repente, a neta da Beatriz se apresentava. Sentia-se como um colegial. Abraça a menina e lança a pergunta esperançoso/desesperado: "Que é feito da sua avó? O que está fazendo aqui?"
"Eu fui transferida para cá e sempre que posso, estou lhe vigiando. Vovó guardou algumas fotos suas. Está diferente, mas fiz umas buscas e consegui achá-lo. Ela está viúva. Vovô morreu há quatro anos. Tenho certeza que ela nunca se conformou com o casamento que lhe arranjaram. Sou sua confidente desde que tinha dez anos. Seus olhos brilham sempre, quando falavam de seu namoro com o senhor!"
"Pare de me chamar de senhor! Agora eu sei com quem você se parece! Onde ela está morando? Está bem de saúde?"
"Em Moema, perto da empresa, que o pai fundou; acho que ela jamais se permitiria adoecer, sem lhe conhecer. Está cada dia mais linda!"
Sentiu o coração disparar, enquanto alguns pensamentos o invadiam: "Será que vai gostar de me ver com esta careca e estas rugas?". "O quê os meninos iriam pensar, se falasse dos seus sonhos?".
"Você mora em definitivo aqui?"
"Não, vou para São Paulo às sextas à tardinha e volto aos domingos. Quer ir comigo, numa destas sextas?"
"A próxima! Melhor ainda, vou terça com meu filho para uma reunião, onde não tenho nada para fazer e vou procurar ver de longe a Beatriz".
"De longe. porque? É o que ela mais quer!"
"Sei não!..."
"Deixe de bobagens, você está tão bem!"
"Você acha?"
"Tenho certeza da alegria dela. Ela vive sonhando com isto!"
Trocaram o endereço, se despediram com um abraço de avô para neta, assim que a banda terminou. A netinha dormia no banco e os meninos corriam com os coleguinhas. Foi para casa com a cabeça a mil. Nem ouvia as indagações dos netos e respondeu qualquer coisa para a nora, que o olhava, como se estivesse vendo um ET.
Os filhos sentiram-se meio traídos no início, mas vovó Beatriz é hoje uma benção na vida do pai e avô, que de parado, nunca tivera nada. Vivera, isto sim, o arroz com feijão Do Carmo.
Hoje parece ter cinqüenta anos, apesar dos setenta explícitos. A corcunda sumiu e os cabelos brancos estão castanho-escurecendo.
Os beijos, que troca com a Beatriz são profundamente libidinosos e a fala cochichada nos ouvidos dela, são explicitamente as de um galinho garnisé. Para glória de todos. Amém!
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Repeti este conto, com outro nome, pois conheço os personagens e tenho por eles o maior carinho. Gostaria que todos lessem!
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