Sem Saída
É foda.
Como descrever as mazelas cotidianas ou o retardamento político se estou no cenário errado? Concordo que o bom escritor transporta alma e mente para o fosso problemático e “veste a roupa” do mendigo faminto, por mais infame que o trocadilho soe. Adapta-se ao elástico jogo de injustiças como forma de arrancar dos gritantes choros a razão para o sorriso dos outros. Peraí, quem disse que sou bom escritor?
Escrevo porque a chuva abafada pede. Escrevo porque minha caligrafia lamentável exige treinamento constante para diferenciá-la do grafite tosco na parede machucada. Além disso, escrevo porque sinto o cérebro luxando e a remota chance de matar idéias em formação me apavora.
Mas a falta de cenário ainda me perturba! Será que sou o único incapaz de descrever a miséria sem estar em uma lata de lixo procurando vida em alimentos anêmicos? Talvez falte vida nos meus anos. Coroarei o próximo aniversário com velas que representem anos vividos, e não, esse conjunto de estações que separa os sonhos das atitudes em intervalos infinitos.
Trituro a inocente tampa da caneta, covardemente culpando-a por minha escrita deficiente. Desculpa não peço! Não sou louco! Examino o pequeno orifício no mísero tubo que aloja o, ainda mais mísero, tubo de tinta e penso alto:
- Você sempre esteve aqui?
Ciente do desvio de discernimento dobro as folhas pálidas antes que registre segredos e cruzo os braços, me protegendo do avanço. Apago a luz e me sinto confortado diante do obscuro que constitui meu bunker metropolitano. A segurança da solidão me traz paz. Os olhos dormentes acalmam, por mais irracional que pareça, as pálpebras cansadas. Finalmente paz.
O telefone celular toca. Percebo que esqueci de trocar o toque de funk. Realidade sem perfume.
É foda.