O FILHO MAIS VELHO

Ele era o filho mais velho de um casal de temperamentos conflitantes. O pai, embora boa pessoa, era genioso e inflamado, nos seus posicionamentos. Quando achava que sabia a verdade, a impunha a todos, nem que para isso fosse necessária a violência. Não fazia pelo gosto a ela, mas por ser o meio que encontrava de fazer com que as pessoas, também acertassem nas suas escolhas. Era trabalhador e se esforçava para dar à família, o melhor que podia. Cursou uma faculdade, fez concurso público, cursos de pós-graduação e galgou na carreira que escolheu. Sua tarefa, ele imaginava, era prover a subsistência do seu lar; o seu funcionamento ficaria por conta da esposa. Para ter certeza disso, antes de se casar, verificara se a noiva sabia cozinhar: encomendou à futura sogra um jantar, orientado por ela, mas todo executado pela pretendente. Como apreciou os quitutes que provou, na semana seguinte, casou-se com pompa e circunstância, no cartório e no padre.

A mãe, despreparada emocionalmente para um compromisso de vida, levava o casamento como a continuação do namoro e cobrava, do marido, a mesma atitude romântica daquele tempo. Frustrava-se com a secura da atitude dele e imaginava, talvez, que devesse aprender novos pratos com sua mãe ou procurar saber da sogra o que mais lhe agradava. Estava à sombra do marido, cuidando da sua aparência de amante e namorada. Os primeiros tempos, de muito trabalho e pouco dinheiro, não lhes permitia viajar e conhecer novos casais para fazer o paralelo com o que eles viviam.

Ao fim de dois anos ela engravidou e nasceu Jorge. Ele era uma criança linda. Sua pele era clarinha e a avó coruja o chamava de “meu carneirinho cor-de-rosa”. Era meigo, alegre e brincava com todos, na pracinha, onde ia todas as manhãs. Se provocado, nunca aceitava uma briga e acabava sempre apanhando dos outros meninos maiores. Quando chegava em casa, o pai via as marcas do acontecido e reagia batendo nele, para que aprendesse a ser “homem”. A cena cortava o coração da mãe, mas ela pensava que o marido, talvez, estivesse certo. Isso seria bom para o filho começar a reagir e se defender, quando crescesse. Ao mesmo tempo que apoiava a atitude violenta do marido, para compensá-lo da surra que levara, dava-lhe presentes e comprava-lhe doces, deseducando-o.

O temperamento de Jorge mudou. Tornou-se um menino irrequieto e agitado. Foi ficando irracível e introvertido. O alegre “carneirinho cor-de-rosa”, ficou cinzento e mal humorado. Mas, inteligente e rápido de raciocínio, nem precisava estudar. Sempre tirava boas notas, no colégio. Sua aparência bonita atraía as meninas e logo estava namorando. Para sua mãe, no entanto, ninguém era bom o suficiente para ele e implicava com as garotas, que ele lhe apresentava.

O pai via nele a sua continuação e cobrava, no filho, o seu próprio comportamento. Isso era impossível, por serem completamente diferentes os dois. Para ensiná-lo a assumir responsabilidade, quando Jorge chegava de madrugada, e havia prometido que voltaria antes de meia-noite, o pai passava a tranca na porta e sua chave não podia abri-la.

Chegando a ocasião do vestibular, ele se inscreveu na melhor faculdade de engenharia da cidade. Passou de primeira, embora não tivesse feito nenhum estudo, que o regular. Cursou um ano e disse que errara de carreira; não era isso que ele queria e trancou a matrícula. Três anos depois, perdeu a vaga trancada e parou de estudar. Passou a dormir de dia e sair à noite. E o círculo vicioso recomeçou: o pai cobrava atitude responsável dele que, irritado, chegava cada dia mais tarde, e encontrava a porta travada. A mesada foi cortada e as namoradas se afastaram. Mas, sem que o marido soubesse, a mãe dava-lhe dinheiro, pensando compensá-lo das surras que levara na infância e imaginando que assim, ele se regenaria. Inútil atitude, tanto do pai quanto da mãe. Jorge foi ladeira abaixo. Para piorar a sua história, seus três irmãos menores se formaram e trabalhavam em grandes empresas, subindo na vida. Se casaram, tiveram filhos, e ele continuava com os pais, sem estudar, trabalhar ou namorar.

Ironia da vida: o mais bem dotado, intelectualmente, era o que tinha a maior dificuldade de amadurecer, levantar e se firmar nos seus próprios pés; se responsabilizar por si mesmo, assumir as rédeas da sua vida. E, o que era o orgulho dos pais e o primeiro fruto do amor deles, acabou sendo a razão das freqüentes discórdias e, finalmente da sua separação. Mas nem isso era a solução, pois acarretou a pergunta: quem ficaria com o filho mais velho?

Rio de Janeiro, 26 de maio de 2008

Gilda Porto
Enviado por Gilda Porto em 26/05/2008
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