A mulher que queria um sapato
Da janela da sala, a mulher podia, com dois olhos de gavião, acompanhar a vitrine da loja, repleta, do outro lado da rua. Dentro dela, pares discretos de sapato, e entre eles: um. Aquele que ressalta, abusa, pede e não dá.
Fechou com força as cortinas. Estava meio devassa, desejosa, de diabo nas mãos. Queria o salto de um tamanho agulha, para ficar acima de todos. Bem dourado, da cor que queria ser.
Mas achava-se santa, submissa demais, não teria pose em cima do salto.
Feliz é que aquele que pode o quanto tem, que nunca está cheio demais, não tem sobras. (O que se faz com essa felicidade?)
Não podia ter brilhos, nem manias, que já eram excessos. Colocou para si mesma a lei do mínimo, para nunca estar em dívida.
Rendeu-se a janela do sétimo andar que estava. Era malandra, que tinha um desejo bem pulsando. Em seu peito, um querer se despetalava. Não cederia.
Para não perder as estribeiras, calçou as sandálias de borracha, encheu-se de um ar forte, jogou água com sabão em toda sacada: limparia até a última sujeira da luxúria que era.