ZÉ SIMPLÍCIO E O CORONEL
ZÉ SIMPLÍCIO E O CORONEL
Foi-se o tempo em que a veste não fazia o monge. Imagine dois homens correndo na rua: um descalço e maltrapilho; o outro bem-vestido e de sapato. Experimente gritar “Pega ladrão!” e veja para quem as atenções se voltarão. Observe quem será perseguido e preso. Nos tempos modernos, os convites para festas já vêm impressos com os dizeres: “Traje a rigor”.
O brejeiro Zé Simplício fora convidado para a festa de casamento da filha do Coronel, uma graciosa menina que se apaixonara por um dos capangas do pai.
Calunga tomou dois tragos de conhaque na venda – uma pequena mercearia em que os empregados do Coronel abasteciam-se com os vales recebidos em pagamento pelos serviços prestados – e dirigiu-se à sede da fazenda.
- Coroné, com sua lincença! Quero um dedo de prosa com o senhor.
- Pode falar, moleque.
Eu vim pedir a mão de Maria em casamento.
- Não é de bom gosto não, mas se ela estiver de acordo... Venha cá, Maria. - disse o velho, acomodando-se melhor na cadeira, de modo a poder sacar sua arma, com maior facilidade, se fosse precisar usá-la.
- O senhor me chamou, pai?
- Chamei. É verdade que você está gostando desse traste?
- Pai, ele...
- Ele o quê? Ele te ofendeu? Se ofendeu, não tem casamento; tem velório.
- Não! Calunga perguntou se eu ficava ofendida se me pedisse em casamento...
- E o que você respondeu?
- Eu disse que, se fosse do gosto do senhor meu pai, era do meu também.
- De meu gosto num é não. Eu queria que você se casasse com o filho do compadre Fulô. Mas não posso negar que, se não fosse a ligeireza de Calunga, naquela emboscada do córrego D’anta, hoje eu era um homem morto. Vou falar com sua mãe pra arrumar o enxoval. E você, Calunga, fique sabendo que tá entrando na famia do Coronel Praxedes, e com ele não se brinca!
- Sei, Coroné. Mas eu tenho uma ingigênça
- Você se acha na condição de fazer ingigênça?! Se estiver pensando em passar a mão em minhas terras, só vai ter um parmo delas quando eu morrê!
- Não, senhor; nem penso nisso! Minha ingigênça é que Zé Simpiliço se sente mais nóis na mesa, na festa do casamento. O senhor sabe que ele é meu amigo do peito; já se arriscou muitas vêis pa sarvar minha vida.
- Pois você mesmo convide seu amigo. Por meu gosto, nenhum pé-rapado se assentava em minha mesa. Já basta você, um desgraçado, entrando na famia do Coronel Praxades.
- Tem mais uma coisa...
- O que é agora, selvagem?
- Eu queria que o senhor deixasse eu prantar mandioca no formigueiro da Maria.
- Sê besta, moleque! – disse o Coronel, simulando sacar o revólver.
- Queta, Coroné! Eu nunca tirei minha arma da cintura qui num saísse fumaça do cano dela. Intão, o senhor se aquiete com essa valentia!
- Tô brincando, moleque! Eu sei que você quer fazer uma lavoura na roça do barreiro. Pode fazer; ela é mesmo de Maria. Você, casando com ela, naturalmente aquela gleba fica sendo sua, mas só de boca, não dou documento não.
No dia da festa, mesa posta, vestido de gibão e espora no pé, Zé Simplício acomodou-se numa das cabeceiras da mesa. O Coronel, sentindo-se ofendido, cochichou-lhe ao ouvido: “De dois mês pra cá, tô lhe pagando em dinheiro, e você não comprou um paletó?”
Sem nada dizer, o convidado levantou-se. Lembrara-se de que, há poucos meses, um vaqueiro da fazenda vizinha havia se casado; portanto, possuía um terno e, quem sabe, emprestaria. Hora e meia depois, Simplício retornou de terno e gravata. Sentou-se e começou a encher os bolsos do paletó com carne, arroz e tudo da mesa. O Coronel, bufando de raiva, gritou:
- Simplício, ora essa! Por que você não come?!
- Como não, Coroné! Eu não fui convidado; meu paletó é que foi. Intão, é ele quem deve cumê!