NAQUELE BANCO
NO ANO DE 2006, ESCREVI ESTE TEXTO, INSPIRADO POR UMA PESSOA ESPECIAL NA MINHA VIDA, ESSA PESSOA ME MARCOU MUITO E AINDA CONTINUA ME MARCANDO. ELA ME AJUDOU, CONFIOU EM MIM E ME INCENTIVOU COMO VEM FAZENDO ATÉ OS DIAS DE HOJE.
LEIAM E ESPERO QUE GOSTEM... NO FINAL TEM UMA SUGESTÃO...
UM ABRAÇO E BOA LEITURA...
Esta é uma história que nasceu da vontade de marcar uma página na história da vida. Ainda não é uma história acabada, mas é um passo que dou em direção ao mundo e a novidade de fazer da vida uma eterna brincadeira.
Espero que estas páginas possam trazer à sua vida um pouco de alegria, de emoção e principalmente de esperança.
Vou contar pra vocês uma estória intrigante, nas muitas viagens que fiz pelo mundo conheci gente de todos os tipos, de todos os credos e culturas.
Porém, a maior experiência que fiz foi na rua da minha casa. Lembro-me como se fosse agora, nada no mundo me chamou tanto a atenção, quanto àquele jovem.
Foi assim:
Era um dia da semana, o tempo estava bom, sai pra dar uma volta pelas ruas rever os velhos amigos, parar na padaria da esquina tomar um cafezinho, como fazia sempre. Quando voltava pra casa, resolvi passar pela pracinha, brinquei com as crianças, vi algumas nos balanços, nas gangorras, outros jogando bola. Tudo como sempre e tudo normal.
Resolvi antes de chegar em casa me sentar um pouco no banco do outro lado da rua que tem uma pracinha, para ver a tarde cair, algo que nós da cidade muitas vezes nos esquecemos de fazer.
E foi assim que começou este momento, que na hora não entendi, mas que depois de algum tempo percebi que foi mágico.
De repente veio um jovem rapaz, de uns 40 e poucos anos, moreno, olhos pretos e marcantes, que tinha no semblante, se isso for possível, duas expressões: uma hora de angústia e em outro momento de uma terna singeleza.
Confesso que aquele rapaz me intrigou. Parou perto de mim, pediu se podia se sentar no banco. Acenei a cabeça com ar de positivo. Ele se sentou, colocou as mãos entre as pernas e eu percebi que ele tremia, mas não podia ser de frio, pois o sol nem tinha se posto ainda.
Tentei perguntar alguma coisa, mas vi nos marcantes olhos pretos um ar de preocupação. Olhei de novo em suas mãos, estavam surradas, cheias de calos, acredito pelo trabalho, e na direita um anel, mas pude perceber que aquele anel não tinha nenhum valor, mas para ele deveria valer alguma coisa.
Olhei mais intensamente para o rosto do jovem, ele num ar de ternura apenas desviou seu olhar pra mim e simplesmente me deu um sorriso discreto.
Pensei agora com certeza ele vai me falar alguma coisa, mas não, ele voltou seu olhar novamente pro infinito, para imensidão da tarde, como que estava buscando no horizonte uma resposta.
Eu não parava de pensar como aquele rapaz era intrigante. Olhei novamente para ele, seus lábios tremiam, como se estivesse numa profunda oração.
Pude ver de seus lindos olhos, negros como uma noite que não tem luar, uma lágrima rolar, deixando sua pele morena marcada, mas ele continuou parado, como se estivesse testando a minha paciência.
Meu coração de pai, pois tenho um filho quase da mesma idade que a deste rapaz, começou a disparar e meus pensamentos a divagar pelo universo da dúvida. Fiquei com vontade de lhe fazer algumas perguntas, mas minha voz não saia, pensei em tocá-lo, mas como que envolto numa aura ele parecia protegido.
Pensei com meus botões: quem será este jovem? O que será que faz aqui? Será que esta esperando alguém? O será que entristeceu seu coração?
As perguntas cessaram quando ouvi uma criança gritando: “moço segura meu cachorrinho, ele ainda é pequeno e não conhece os perigos das ruas”. O jovem se levantou pegou o animalzinho com doçura, levou-o até o menino, e sem dizer nada voltou e se sentou novamente. Fiz apenas um pequeno comentário: “gostei da maneira como você fez.” Ele sem dizer nenhuma palavra, olhou bem dentro dos meus olhos e voltou a olhar pra imensidão do horizonte.
Aqueles olhos pretos tinham uma beleza fora do comum, algo jamais visto ou contemplado pela minha vida toda.
O jovem parecia agora se lembrar de algum fato interessante, pude perceber no seu rosto um ar de alegria e um sorrisinho de alívio marcou sua pele morena. Não percebi as horas, mas as horas foram passando, o jovem não dizia nada e eu não ousava perguntar.
Tentei forçar um pouco mais a minha visão pra ver se conseguia também ver o que ele tanto buscava no horizonte. Não me contive e perguntei: esta tudo bem com você?
Ele me olhou com um ar de tranqüilidade e de uma ternura tão grande, que fiquei até sem reação. Ele fechou os olhos e depois de uma pausa me disse:
- Apenas estou tentando entender uma pessoa. Estou tentando descobrir por que as pessoas nem sempre são o que dizem ser.
Novamente ele parou de falar, vi lágrimas escorrerem em seu rosto. Parecia que alguém realmente marcou e machucou muito sua vida. Eu queria saber mais, não apenas por curiosidade, mas para saber como que poderia ajudar um estranho, uma pessoa que mal acabara de conhecer.
Ele voltou novamente seu olhar pra imensidão do horizonte, mais uma vez o silêncio se fez presente, a não ser pelo barulho que os pássaros faziam na árvore do outro lado da rua.
Fiz de tudo mais não me contive e lhe fiz mais uma pergunta: Moço de onde você vem?
Ele apenas me olhou, fechou os olhos e chorou de uma forma tão doída que parecia uma criança que quebrara seu brinquedo mais precioso. Ele conteve as lágrimas e com uma voz muito triste me disse:
- Eu venho do sul, do norte, do leste e do oeste; eu venho do céu, das estrelas, da lua e até da luz do sol; venho da terra, dos mares, dos vulcões e das florestas; venho da brisa suave e do calor mais quente, venho pela chuva e pelo sereno da madrugada. Na verdade eu venho de todos os lugares e de lugar nenhum, eu de lugares que na verdade eu nunca estive.
Estas palavras me deixaram mais intrigado ainda. Como pode uma pessoa ser de tantos lugares e agora estar perdido, pelo que parece, em lugar nenhum?
Pedi desculpa da minha ousadia e lhe perguntei se era casado, tinha filhos, justamente por causa do anel que trazia em sua mão.
Ele me disse com a voz cheia de ternura e olhando para o anel com se fosse o maior tesouro do mundo.
- Este anel não tem nenhum valor monetário, mas tem um simbolismo muito grande. Um dia eu caminhava por um lugar qualquer da vida e ao socorrer uma velha senhora numa necessidade da vida, em forma de retribuição, me deu este anel e disse que ele tinha o poder mágico de aliança com todos os sofredores. E que um dia ela voltaria para me consolar nas minhas dores.
Juro que não entendi nada do que o rapaz falou, e ainda não tinha entendido por que um simples anel tinha tanto valor?
Novamente o silêncio ocupou um lugar. Ele novamente voltou seus olhos para o horizonte e me disse:
- Como é bonito ver o sol se pôr, de onde eu venho quase não se vê isso, lá a fumaça e os arranha-céus cobrem tudo.
Bom, para quem disse que não era de lugar nenhum, já pude descobrir que ele vinha de uma cidade.
Eu olhei a beleza verdadeira daquele pôr do sol, e, confesso que nunca tinha reparado em sua beleza.
O jovem levantou-se e me disse com a mesma ternura que chegou:
- amanhã posso voltar aqui para ver de novo o sol se pôr?
Eu respondi: claro que pode este banco raramente tem alguém sentado.
Ele se virou, tocou numa plantinha que tinha ali no canteiro da árvore e disse com uma serenidade angelical: - Como são belas, mesmo tão pequenas faz no mundo seu papel. Por que as pessoas também não são assim?
Novamente me olhou, com os olhos cheios de lágrimas, não disse nada e saiu com uma doçura, parecendo cavalgar nas nuvens.
Fiquei ali sentado, não via a hora de vê-lo de novo. Algo nele me tocou.
Fui pra minha casa, minha esposa me olhou, sorriu e me disse: o que você fazia sentado sozinho no banco da praça?
Não entendi a pergunta: como sozinho? Tinha um moço sentado comigo a tarde toda.
Minha esposa riu novamente, balançou a cabeça e fez até uma piadinha: “o médico pediu pra não te contrariar”.
Entrei no nosso quarto, tirei a roupa, tomei um banho, fui pra sala de jantar, meu filho acabara de chegar do trabalho, sentou-se à mesa e jantou conosco. Ele como sempre muito quieto, não falou nada, comeu sua comida, correu para seu quarto, pegou seu material escolar e estava quase saindo, quando me disse:
- Pai, como o pôr do sol estava lindo hoje, fazia tempo que eu não o via tão bonito.
Novamente meus pensamentos correram para a imagem daquele jovem no banco. Passei a noite toda acordado, esperando o dia amanhecer...
Amanheceu, mas por capricho do destino estava chovendo. Fiquei desanimado, pois como encontrar aquele rapaz novamente? Ele falou que viria para de novo ver o pôr do sol.
Durante o dia as horas foram passando, mas a chuva não passava, apenas ficava um pouco mais fraca.
Quando meu relógio de pulso marcou 16 horas, resolvi sair no portão, e, ao olhar para o banco lá estava o jovem com uma capa preta para rebater a chuva. Saí de casa correndo.
Minha esposa gritou que é isso homem, parece que esta fugindo da policia? Nem dei muita atenção e saí pelo portão.
Quando atravessei a rua, o rapaz me olhou como tanta ternura, como se estivesse me dizendo: “que bom que você chegou amigo”.
Novamente, mesmo com o banco ainda úmido da chuva nos sentamos, mas sem nenhuma palavra.
Ele continua o mesmo misterioso do dia anterior. Olhei nos seus olhos e ele continuava a olhar para o horizonte, só que hoje não tinha claridade no céu, apenas umas nuvens carregadas de chuva. Ficamos em silêncio...
De repente ele me disse uma única frase: “como é bom saber que Deus cuida de tudo”.
Voltou seus olhos para o horizonte, e as lágrimas invadiram seu ser, sua pele morena se tornou pálida, percebi na sua respiração que ele estava angustiado. Que coisa eu não tinha coragem de lhe perguntar nada.
Não sei como, mas de repente uma música chegou até meus ouvidos, olhei para ele com certa curiosidade, pois pensei que ele tivesse um rádio guardado ou estivesse cantando.
Ele me olhou e disse: um dia eu amei uma linda mulher ouvindo esta música. A mulher no outro dia foi embora, a música, porém nunca saiu de minha lembrança.
Então eu descobri dele mais uma coisa: “ele amou!” Quando meus pensamentos foram tomados pela dúvida, ele me disse: “não se preocupe, ao passado eu não ligo, hoje ainda continuo amando, acho que até com mais intensidade do que antes”.
Novamente eu descobrira que ele era mesmo diferente. E perguntava a mim mesmo: como pode alguém não ligar pro passado? Será que não tem mesmo mais importância?
O silêncio novamente ocupou o lugar que sempre foi dele.
O tempo foi passando, foi escurecendo como todas as tardes de chuva. O rapaz, meu amigo, sem nunca ter perguntado nada e sem nunca ter respondido nenhuma pergunta. Que coisa me lembrei na hora do livro do Pequeno Príncipe, onde dizia a conversa do menino com a raposa: “cativa-me”.
Como se cativar alguém fosse fácil, como se as pessoas fossem fáceis de se entregarem e de deixarem se conquistar assim num passe de mágica.
Começou a cair uma garoa, ele puxou um pouco o colarinho de sua capa preta e me disse uma frase:
- Foi justamente numa tarde como essa que eu me despedi da pessoa que eu mais ame.
Ele não falou mais nada, e aquela garoa foi molhando aos poucos seus cabelos e ele fechou por um instante seus lindos olhos como se estivesse recebendo um beijo da chuva. Ele me olhou e novamente me disse:
- Como é bom receber um beijo de alguém que nós temos a certeza de quem nunca irá nos enganar ou trair.
Fiquei confuso nessa hora. E a chuva apertou mais, e ele saiu correndo e me disse:
- Amanhã pode me esperar, pois eu estarei aqui no mesmo horário de hoje. Ah! Fica com um beijo da chuva no seu rosto.
Um beijo da chuva?! Algo que eu nunca imaginei na vida, ser beijado pela chuva! Fiquei ali ainda um pouco e o vi sumir em meio aos grossos pingos da chuva. A mesma chuva que veio pra não nos deixar ver o entardecer ensolarado. Que chuva maldosa e que ele soube interpretar tão bem, como sendo aquela que veio para lhe beijar o rosto.
No outro dia eu fiquei a tarde toda sentado naquele banco, mas ele não apareceu. As horas foram passando o entardecer estava lindo, fiquei imaginando qual seria a reação dos olhos dele, contemplando aqueles raios vermelhos e dourados da linda tarde que escurecia.
Confesso que fiquei triste por ele não ter aparecido, mas fazer o quê (?) se nem sempre nossos desejos são realizados, nem sempre as coisas acontecem como a gente quer.
Voltei pra casa, me sentei para o jantar, minha esposa falou: que cara de desanimo é esta homem? Não via à hora de ver o dia amanhecer, pois eu não conseguia dormir.
Olhei no relógio e ele marcava 6h15min., pensei vou me levantar, vou até a padaria, comprarei uns pães, leite e quem sabe aquele delicioso bolo de fubá que a Dona Maria faz? Na verdade pensei em tudo isso pra ver se conseguia tirar a imagem daquele rapaz da minha mente.
As horas do dia foram passando, e tudo estava do mesmo jeito em casa, até os mesmos programas da TV pareciam ser os mesmos.
A tarde foi chegando, pensei hoje não vou ficar esperando no banco, vou ficar aqui na varanda da minha casa.
Já eram 16h40min., no horário de verão, peguei minha cadeira de costume, liguei o rádio na estação de costume e ouvia as músicas e as notícias, até que percebi que ele estava sentado no banco sozinho.
Levantei fui até lá, me aproximei e ele me olhou e disse com ar de preocupação:
- Pensei que não ia vir mais, pensei que tinha perdido o amigo. Desculpa por ontem é que me perdi em meio aos carros e prédios.
Respondi para ele, não se preocupe, o importante é que hoje você está aqui.
Ele pela primeira vez sorriu e com vontade e me disse:
- Como foi o por do sol ontem? Estava bonito?
Sim, respondi, estava lindo com raios vermelhos e dourados. Este horário de verão tem esta vantagem, podemos ficar até mais tarde contemplando o entardecer.
Ele não disse nada. Ficou em silêncio. Nossa como o silêncio faz parte da vida dele. Ele fechou os olhos por uns instantes, ficou pensando e minha mente indo à loucura, pois eu não entendia. Não me contive e perguntei: - Amigo você tem família?
Ele me olhou com aqueles olhos negros, deu um suspiro profundo e me disse:
- Tenho, mas eu me perdi deles. Éramos 7 irmãos, 4 rapazes e 3 moças. Meu pai, nunca mais vimos, segundo minha mãe ele se perdeu na crise que aconteceu nos anos 80 e saiu de casa. Minha mãe coitada trabalhou de sol-a-sol, foi costureira, lavadeira e doméstica.
Meus irmãos: Aninha, Cícero, Júlio, Laura, Otávio e fernandinha, o caçula era eu, eles com muito sacrifício trabalharam muito desde cedo, e não me deixaram trabalhar e me ajudaram na escola.
Lembro-me como se fosse hoje...
Ele parou de falar ficou em silêncio, tive vontade de perguntar, mas me faltou coragem, parecia que ele sofria muito com aquela história. Contive-me não perguntei nada.
Ele respirou fundo e continuou me lembro como se fosse hoje: eu estava sentado no pátio do colégio e minha irmã Laura veio, com os olhos cheios de lágrimas e me disse:
- “Vamos para casa, aconteceu um acidente e o Cícero se machucou muito”. Saímos de mãos dadas. Eu não entendia as lágrimas da minha irmã.
Quando cheguei perto de caso vi meu irmão Júlio sentado na calçada com as mãos cobrindo o rosto, fui mais perto ele me abraçou e disse: ”não teve jeito, ele foi embora e deixou a gente”.
Naquela hora eu entendi, meu irmão tinha morrido. Foi uma placa de concreto que caiu sobre o peito dele. Ele pra não deixar seu amigo se machucar pulou na frente. Eu não sabia se ele foi herói, ou louco.
Assim, com apenas 12 anos perdi meu pai e um irmão. Fiquei sem rumo. Os outros continuaram com suas vidas, eu não sei como lidaram com o problema da ausência, mas eu tenho certeza que também sofriam muito. Moço amanhã se der certo eu volto e termino minha história.
Eu meneei a cabeça, não disse nada e olhei para o horizonte. Ele, percebi, ficou perturbado. Ficou mais intrigante ainda a sua presença.
Ele olhou para uma árvore do lado e disse: “como estas cigarras estão felizes e como é gostoso ouvir os passarinhos naquela outra árvore escolhendo os galhos pra fazer seus ninhos, tudo junto parece uma sinfonia sem ensaio, onde cada um toca o instrumento que quer”.
Meu amigo era um admirador da natureza e tinha uma grande percepção das coisas ao seu redor. Ele me perguntou as horas, eu disse a ele que não tinha levado o relógio, mas pedi que ficasse mais.
Ele balançou a cabeça como uma forma de dizer não. Levantou-se e novamente me disse: “amanhã estarei aqui, venha ficar comigo, termino a minha história e poderemos ver o pôr-do-sol”.
Eu respondi prontamente que sim. Ele fechou os olhos, agradeceu sem dizer nada e partiu. Fiquei naquele banco mais alguns minutos, depois voltei pra casa, e, me lembro que peguei o rádio e tocava uma música assim: “e onde estão meus estão estimados companheiros, já se foram tantos janeiros, desde que deixei meus pais...” Que companheiros? Se hoje o único amigo que eu tenho eu nem sei o nome dele.
Naquela noite fiquei pensando no que ele me falou. Na morte de seu irmão, no sumiço de seu pai. Mas, porque ele não me falou nada de sua mãe?
Coitado deve ser muito triste ser deixado para traz, sem ninguém, sem nenhuma casa, sem ter onde repousar.
Por falar nisso onde será que ele dorme? Será que tem uma casa? Aquela noite foi longa cheia de perguntas e sem nenhuma resposta.
O dia amanheceu, nem percebi, mas já era sábado, todos indo e vindo, todos numa correria. Nossa como é bom sábado de manhã; me lembro das vezes que ia na feira ao lado da Igreja para comer pastel e tomar um refrigerante, o dono da barraquinha até já sabia qual era a minha preferência.
Veio à tarde pensei hoje ele não vai aparecer. Fiquei sentado naquele banco horas e horas; as crianças corriam, jogavam bola, pulavam corda e nenhuma deles se preocupando, pois não tinha aula.
Eis que olho e vejo meu amigo anônimo. Ele vem senta-se ao meu lado e diz:
- Vai ser uma pena quando eu não puder mais vir aqui. Acho tão bonita esta visão do entardecer.
Fiquei assustado. Não vir mais? Mais por quê?
Ele me olhou e disse:
- De onde eu venho nunca o entardecer é tão bonito.
Meu Deus de onde ele vem? Não resisti e perguntei.
- Mas, de onde você vem? Por que lá não tem beleza o entardecer?
Ele meneou a cabeça e me disse:
- Sou de uma terra distante, lá os prédios escondem tudo. Lá as nuvens nunca aparecem e quando chove, só vemos a chuva cair no chão e não vemos de onde ela esta vindo. Lá nem sei se tem céu.
Nossa que difícil! Conta-me mais sobre sua família.
- Minha família? Tenho vontade de voltar a morar com eles. Tenho saudade das longas conversas, da mamãe trazendo no fim do tarde bolo de fubá e café com leite. Que saudade que eu tenho dela.
Tenho guardado na mente imagens que parecem vídeotape que reproduzem até o som das gargalhadas dos meus irmãos mais velhos.
Moço, é difícil viver hoje sem saber como eles estão, não sei nada da minha mãe; a última vez que soube dela, ela estava muito doente, se não me engano era tuberculose. Coitada tão bonita: pele morena assim como a minha e olhos verdes como as florestas. Eu adorava vê-la arregalando os olhos pra brincar comigo.
Amigo, você ainda tem sua mãe? Você tem irmãos? Esposa? Filhos?
Nossa como fiquei surpreso ele nunca me perguntava nada. Contei que sim. Que minha mãe já tinha falecido e que meu pai morava com um irmão e que eu era casado, tinha um filho de nome: Vitor Paulo e que minha esposa chamava-se Divina.
Contei um pouco sobre minha casa e via dos olhos negros dele correr duas lágrimas. Ele com uma ternura mágica nos olhos, perguntou meu nome.
Eu respondi que só diria se ele também me contasse o dele. Ele concordou e eu lhe disse: meu nome é Juarez, tenho 64 anos e moro neste bairro desde que nasci, aqui me criei, estudei, trabalhei na estrada de ferro e me aposentei. E você como se chama e por que está aqui?
Ele respirou fundo e num sorriso meio tímido me disse:
- É! Faz muito tempo que ninguém pergunta o meu nome, não passo para a maioria das pessoas de um bêbado, vagabundo e até mesmo de um lunático.
Mas eu sou formado na faculdade, sou mestre em física nuclear de estudos científicos da Faculdade.
Sou poliglota, falava comumente 5 idiomas com freqüência, ou melhor, falava antes de ficar com esquizofrenia por causa dos estudos e de um amor mal correspondido. Muitos dos grandes deste país já estiveram sentados ouvindo minhas conferências, mas eles hoje nem sabem se estou vivo ou morto. Meu nome? Se é que ainda o tenho se é que ele ainda representa alguma coisa?
Ele parou por um instante, pensei, ele não vai dizer. Mas, acho que eu nem queria mais saber, só de saber de suas credenciais, percebi que estava diante de um gênio não reconhecido e esquecido. Ele me olhou com a ternura de sempre e me disse:
- Hoje eu durmo num abrigo, e, nem sabem que eu sou não tenho nome para eles sou apenas mais um perdido no mundo. Mas, você quer mesmo saber meu nome? Por que isso lhe tem importância?
Você nunca mais me verá, estou sendo transferido para um outro abrigo da capital do país. Lá com certeza morrerei, lá com certeza perderei por completo a minha identidade. Meu nome é fernando, não é nada.
Bom amigo, já esta tarde, agora já sabe tudo sobre este cara que foi marcado pela desilusão da vida e pela ingratidão da história. Obrigado por me ouvir; obrigado por se preocupar comigo, com este louco e desconhecido. Ninguém até hoje havia me tratado com tanto carinho. Que Deus lhe abençoe.
Ele se levantou e do mesmo jeito que chegou partiu. Nunca mais o vi, e nem mesmo soube notícias dele.
Mas vocês que leram esta história se um dia encontrarem um rapaz de capa preta, pele morena e olhos pretos marcantes, por favor, venham me avisar.
Vocês saberão como me encontrar, pois todos os dias estou sentado no banco daquela praça, esperando ele voltar. Por favor, não deixem de me avisar.
Esta história nasceu do desejo de mostrar às pessoas que o mundo pode ser diferente, e que pessoas que nós muitas vezes não damos nenhum valor podem nos mostrar coisas novas e lindas.
Por isso, eu peço que não tenham medo de se sentarem um dia num banco de praça e de conversar com um estranho, pois vocês poderão aprender coisas novas...
Um abraço deste amigo desconhecido que muito se parece com este jovem...