SONATA

o velho violinista e seu ajudante cego faziam um humilde concerto ao ar livre em plena praça da capital. enquanto o cego colhia piedosos trocados amassados no chapéu preto, o violinista de mãos ressequidas e reumaticas discorria uma melodia triste navegando solitária num oceano de buzinas, motores e balbúrdia.

quando a noite chegava sombria por trás dos edifícios, o mundo foi esfriando e o cego sentiu no corpo a morte de mais um dia.

então, somados centavos e trocados, o violinista silenciou o instrumento para descansar e contar o que dava para o pão.

o cego quebrou seu silencio e perguntou ao amigo como eram as estrelas dispostas no céu naquela noite, queria saber como cintilavam. o violinista ficou um pouco sem jeito, sem tirar os olhos do pouco dinheiro que havia somado, disse que céu de cidade grande não tem estrelas, seria impossivel responder.

o cego insistiu pedindo que ele olhasse para cima e o violinista sem se perguntar como o amigo deficiente sabia que ele nao havia olhado para o céu, coçou a barba encanecida e olhando para o telhado do mundo foi tomado por um espanto enorme

entre o pouco que se via entre as construções, não haviam astros, mas sim uma imensa partitura negra onde as notas adiamantadas se dispunham caóticas. olhando para as estrelas, empunhou o violino e deu luz a melodia zodiacal. assim que passou uma estrela cadente, esforçou-se na interpretação e o cego, para seu assombro, agradeceu por descrever-lhe até mesmo um anjo caído e sua tristeza.

o violinista não pôde conter as lágrimas e agradeceu ao amigo cego por lhe ensinar a sua arte, tomando-o pelo braço, sumiram numa esquina.

Den
Enviado por Den em 15/05/2008
Reeditado em 15/05/2008
Código do texto: T990825