Conto Selecionado pelo Jornal do Comércio: A Derradeira Espera
Sentou-se num dos bancos da sala de atendimento daquele prédio da Previdência Social. Houvera chegado no dia anterior a fim de receber seu mísero salário, como a maioria dos aposentados. Tinha de declarar que ainda estava vivo ao Estado, havia trazido todos os seus documentos. A tão conhecida declaração anual.
Faltavam dois dias para o Natal. Queria comprar algo para a ceia, como todos os anos fazia. Almejava juntar a família: seus filhos, netos e até bisnetos. Gostava de vê-los ao seu redor, sorridentes e comendo a comida que tinha comprado com tanto sacrifício. Era o único prazer que ainda possuía. Havia perdido todos os outros prazeres, incluindo a sua velha esposa.
Sentia uma dor no coração. Temia que não conseguisse levantar da cadeira. Não tinha se alimentado bem, havia trazido tão-somente um pacote de biscoito de chocolate para o seu café da manhã. O seu número já estava próximo. Tal dor não era nova. Sentia sempre quando estava tenso. E aquele cenário era pura tensão. Queria ter o direito de se reunir novamente com a sua humilde família. Porém, a dor era forte, maior do que das outras vezes. Olhou para os lados, pensou em pedir ajuda. Mas a quem? Não existiam funcionários por perto, todos estavam ocupados. Então, antes que sentisse o seu coração parar, perder as suas forças e a sua visão escurecer, ouviu uma voz insensível, quase digital, dizer:
- Número 135.
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