A PRINCESA CLOTILDE
A PRINCESA CLOTILDE
— Clotilde nasceu, minha filha nasceu — gritou Antônio aos que aguardavam no humilde cômodo ao lado de onde se fazia o difícil e demorado parto, onde se ouvia o choro da menina, que parecia não querer vir ao mundo.
Antônio e Maria José formavam um casal bem humilde. Ele era ajudante de pedreiro e ela diarista. Viviam de sobras das patroas de Maria José. Como não tinham filhos e já estavam casados há anos, viviam relativamente bem diante de suas realidades.
Mas o sonho de Maria José era de um dia ser mãe. Não se sentia realizada como mulher e dizia isso aos amigos e familiares, que sempre a cobravam a vinda dos ‘herdeiros’. Era muito comum diante da realidade do casal ter muitos filhos, apesar da pobreza absoluta. Parece que alguns os tinham em grande quantidade por ‘investimento’, mas a maioria era mesmo por ignorância, falta de informações.
Maria José comentou com uma de suas patroas o enorme desejo de ser mãe. Dona Carmem, que era muito boa e atenciosa, resolveu ajudar. Levou a funcionária ao médico particular, pagou todas as consultas, exames e o tratamento necessário. Tempos depois, Maria José estava grávida e feliz. Chegou a ajoelhar-se aos pés de Dona Carmem em agradecimento, entre lágrimas e palavras benditas, pedindo aos santos que iluminasse ainda mais a abençoada patroa. O mesmo gesto se repetiu ao médico que a atendia, beijando insistentemente suas mãos e bendizendo aos céus por tanta graça.
Chegou em casa ávida por contar ao marido, que ao saber, também derramou lágrimas de contentamento.
Prepararam tudo, e a espera de nove meses pareceu ser de anos.
É sempre assim quando aguardamos ansiosamente por alguma coisa muito boa, essa espera parece se arrastar pela eternidade.
Clotilde nasceu e foi cercada de muitos cuidados, atenção e carinhos excessivos. Foi crescendo e mais parecia uma princesinha em meio a tantos plebeus. Seu castelo de cristal se resumia ao lar humilde de dois cômodos apenas, que Antônio, devido à profissão que tinha, conseguiu com muito custo granjear de seus patrões, material para fazer mais um cômodo. Construiu um quarto especialmente para a princesinha Clotilde, que agora já entrara na adolescência. Ela tinha de tudo naquele castelo, nada lhe faltava, apesar de quase tudo faltar a seus pobres pais, que muitas vezes deixavam até de se alimentar para dar para à menina o que julgavam ser o melhor.
Clotilde ficou moça, conheceu rapazes, foi apresentada às paixões da juventude, às noitadas, drogas, cigarros, álcool e tudo que é oferecido. O que cabe a cada um aceitar ou não.
Sua melhor amiga, Noêmia, quase a obrigou, a princípio, usar maconha, pois Clotilde detestava o cheiro, mas mesmo assim cedeu e foi no embalo da amiga para não ficar de fora, dizia ela à mãe, quando esta descobriu e quase enfartou.
Foi apresentada às drogas cada vez mais fortes, que eram acompanhadas de sua grande aliada, o álcool. Nesse ritmo, viveu por algum tempo, e seu organismo exigia cada vez mais e mais. E ela exigia cada vez mais e mais dos pais, já até doentes por saberem de sua amada e linda princesinha, agora jogada no mundo de perdição.
Logo, Antônio adoeceu seriamente e foi hospitalizado. Não resistiu por muito tempo e veio a óbito. Morreu de tristeza.
Maria José, só com a filha e não sabendo mais o que fazer, decidiu ir até à favela, onde sabia encontrar Clotilde comprando drogas para revender, pois com a morte do pai, de onde ela tirava todo o dinheiro para manter o vício, viu-se obrigada a ter que pagar suas dívidas de alguma forma. Maria José parecia ‘tomada’ por um delírio, e foi subindo as escadarias do morro, rumo ao barraco do traficante. Havia conseguido o endereço na bolsa da filha e obtivera informações de como chegar lá. Decidida a acabar com toda aquela agonia, subia entre suor e lágrimas que escorriam pelo seu rosto. O cansaço não era páreo para ela, acostumada a trabalhar redobrado para dar luxo à filha tão amada. Ela chegou ao local, bateu na porta, e uma voz gritou lá de dentro perguntando quem era. Ela identificou-se como a mãe de Clotilde, e a porta foi aberta por um rapaz aparentando menos de quinze anos, que a convidou para entrar e sentar-se, pois ia chamar a filha. Nesse ínterim, ouvia-se lá fora enorme alvoroço como apitos, gritos, fogos de artifícios, entre outras parafernálias. Era o sinal que o morro estava sendo invadido pela polícia. Nisso apareceu Clotilde com outros rapazes e moças, todos agitados e armados. A polícia gritou para abrirem a porta e, ao mesmo tempo, já foram colocando-a abaixo com chutes e pontapés.
Clotilde, abraçada à mãe atrás de uma estante, pediu perdão e a beijou carinhosamente, dizendo que muito a amava, enquanto a mãe, baleada, morria em seus braços, de onde Clotilde foi arrancada bruscamente e presa pela polícia.
O castelo se desfez, a princesa perdeu a majestade, seus súditos se foram.
A mãe amorosa e dedicada respira outros ares e vela pela amada filhinha, enquanto a ex-princesa chora copiosamente, reclusa em uma penitenciária, a perda da mãe querida. Com todo o sofrimento servindo-lhe de lição, ela pede ajuda às assistentes sociais para livrar-se das drogas. Depois de alguns anos, ela deixou a prisão decidida a ir embora daquela cidade e recomeçar vida nova em outro lugar.
Retomou os estudos e se formou em ciências sociais, para ajudar outros tantos jovens em situação idêntica a sua vida pregressa.
Diana Lima, Santo André/SP. Versão atualizada em 08/09/2013