O MENDIGO DA FRONTEIRA

A viajem de Porto Alegre até a fronteira do estado, de ônibus, era por demais cansativa, nunca percorrida em menos de oito horas e só havia horário disponível à noite.

Era mês de junho e o frio de renguear cusco só encontrava um fio de alento na propaganda enganosa estampada em um cartaz dentro do ônibus que dizia ser provido de ar condicionado.

Não demorou muito para que sentisse aliviado por ter lembrado de levar na viajem um velho poncho de lã adquirido em suas andanças pelas cidades frias e úmidas do Rio Grande do Sul. Foi assim, enrolado nele, que aportou, literalmente aportou, pois a estação rodoviária da cidade situava-se à margem do rio que divide a cidade de Quaraí no RS e a cidade de Artigas, no Uruguai.

A primeira informação, ainda no guichê da rodoviária, era de que naquele horário, quatro da matina, não encontraria hotéis, onde pudesse acomodar sua pequena mala, contendo algumas roupas para a semana que pretendia ali permanecer, ainda ficou sabendo que hotel mesmo só havia um na cidade e bares abertos naquela hora, que seria uma alternativa de abrigo, nem pensar.

Andou por algumas quadras e resolveu voltar à estação para melhor se informar, pois já não agüentava, apesar da eficácia do velho poncho, o frio da madrugada, que vinha acrescido do vento que soprava do rio bem próximo.

Constatou então, que após a chegada do ônibus e seu provável recolhimento para outro local para manutenção, limpeza ou qualquer outro procedimento que se fizesse necessário, havia também findado o expediente dos funcionários e o conseqüente desaparecimento deles.

Sem outra alternativa, lá pelas quatro e meia da madrugada, resolveu procurar qualquer local, mais afastado dali, numa região mais central da cidade, onde pudesse ao menos sentar-se ao abrigo do vento, o que não foi difícil. Encontrou na área de uma casa com uma parede lateral, que servia exatamente ao seu propósito, embora ficasse muito próximo à calçada

Com o corpo enregelado pelo frio e precisando descansar de uma noite insone passada no ônibus, onde não conseguira pregar os olhos, pois, sabendo que viajaria de volta também à noite, tratou de vislumbrar, mesmo na escuridão, alguns dos lugares que sempre teve vontade de conhecer. A última coisa que lembrou foi da parada de ônibus na estação de Rosário do Sul, conforme anunciara o motorista, informando a todos que teriam quinze minutos para comer alguma coisa e ou fazer alguma necessidade, ocasião que aproveitou par tomar um refrigerante e degustar um belo croquete, que lhe parecera maior por detrás do vidro do balcão que o abrigava, logo adormeceu pesadamente recostado em sua mala, sobre a qual estendera também seu poncho, parte para protegê-la, parte para servir de apoio a um dos braços.

Ao acordar, já com o sol filtrando entre os tijolos de vidro de que era constituída a parede lateral da área em que estava sentado, assustou-se com a grande quantidade de moedas depositadas sobre as bordas do poncho que lhe protegia as pernas, certamente jogadas por mãos caridosas de pessoas que ali passaram em direção ao trabalho, sem contar com aquelas depositadas sobre a dobra superior formada pelas mãos cruzadas sobre os joelhos, numa demonstração de que não apenas eram caridosas mas também possuíam respeito pela pessoa humana daquele que por alguns momentos, durante uma fria madrugada, fora confundido e se sentira, em virtude da falta de estrutura de muitas cidades de nosso interior gaúcho, a exemplo daquela, como um verdadeiro "mendigo da fronteira".

FIM.