TALVEZ ELE QUISESSE SÓ DESPIR-ME A ALMA
TALVEZ ELE QUISESSE SÓ DESPIR-ME A ALMA
Marília L. Paixão
Não quero escrever sobre o escrever e nem sobre o que ler. Não quero escrever sobre a comida e nem sobre o que comer. Sobre a bebida? Não! Sobre o cansaço da vida? Não! Sobre as notícias dos jornais? Não! Sobre a dor de alguém próximo? Não! Sobre mim? Sobre mim quando é que não pode ser?! Ah! Vou escrever sobre o John! Será que possuo todas as cores necessárias para escrever sobre ele? Caso não, ele que perdoe minha tentativa...
John que faz tempo não tenho nenhuma notícia. Não sei se está vivo ou morto. Não sei se está por estas nossas terras ou por outras melhores. Melhor pensar que por outras melhores. Melhor pensar que John não morrerá nunca. Pensar que John acertou seu caminho que sempre me pareceu inusitado. De qualquer forma que penso em John a lembrança vem com imenso carinho. Deve ser culpa da calma que ele me passava, mesmo quando me falava de coisas que
nem em trezentos anos passariam por minha cabeça.
Era bem criançola quando conheci John. Eu ainda estava me conhecendo. Não sou boa com datas, mas tenho uma foto de aniversário em que fazia 16 anos e na ocasião ele era o namorado. Antes disso ele foi tantas coisas...e depois disso ele foi mais tantas outras... a fase de ser namorado deve ter sido a mais rápida de todas. John me parecia ser muito. Era o que me escutava, era o com quem me abria.
John era desses caras que se na época eu tivesse maturidade para analisar daria um boa história tipo as do cinema. Mas eu via John exatamente como ele surgia em minha frente: moreno, alto, magro, lábios e dentes lindos, rosto sempre sorrindo, e seu olhar parecia mais profundo que o meu. Eu era muito inexperiente para ver e aproveitar de todo o lado de dentro de John.
Sem falar que havia em John uma inteligência que eu não entendia. Devia ser isso que me fascinava. Ele também me dizia coisas que eu achava engraçado ele ter coragem de me dizer sem se preocupar se me magoaria ou não, tipo dizer que eu era branca demais e que devia deitar ao sol e melhorar a cor. John me dizia cada coisa sobre as coisas que fazia ou pensava que eu pensava que aquilo poderia estar em algum livro que eu estivesse lendo e não vivendo.
Também eu não sabia o que John via em mim que fez com que nossa amizade durasse anos. Minhas primeiras lembranças de John éramos nós dois ficar brincando de fazer poemas. Um começava e o outro terminava. Um iniciava de um jeito e o outro depois mudava para outra forma qualquer. Eu devia escrever mais sobre o amor e John sobre a vida. Eu mais sobre sonhos e John sobre a realidade. Eu mais sobre a utopia e John sobre os desejos da carne.
Tinha sempre uma hora que John me constrangia e eu parava de escrever. O que John queria dizer? Eu ria e lhe dava um tapinha de amiga. John parecia querer tocar em meus sorrisos. Talvez não tivesse a malícia para entender-lhe o desejo de despi-me de qualquer roupa mesmo eu sendo gordinha e desbotada. Talvez eu não quisesse entender nada. Talvez ele quisesse só despir-me a alma. Ouvíamos Caetano Veloso e Ângela Ro Ro. Discutíamos as letras de alegria e de horror.
Falávamos de cantores como se fossemos atores... Poderia passar horas lembrando a importância de John em minha vida de menina e depois na medida em que fui amadurecendo. Talvez eu não deveria tê-lo abandonado.
Fui eu quem sumi da sua rua e não mais acompanhei seus passos. Ele bem que merecia ter sido o primeiro homem que eu teria amado. John tinha a grandeza de não diminuir minha força em nada. Eu sentia que ele me engrandecia. Fico aqui pensando se John ainda lembra da minha cara. John, a vida era cheia de tudo enquanto a gente praticamente não entendia nada. Eu me guardava de todos os meus medos enquanto John protegia meus segredos.
Minha última lembrança da nossa amizade ficou naquela balsa, diante a luz daquela lua. John me dando uns conselhos que eu não queria usar e eu lhe falando dos meus desesperos de quem começa a amar. Tão infantil desespero,
Tão longa a sua alta sombra ali do meu lado. E John pela primeira vez me parecia um homem me falando coisas comuns que eu não queria escutar. John era a razão e eu procurava respostas entre lágrimas, movimentos do rio e luar.
– Acho que estou querendo morrer, John. – Que nada! Você só precisa mudar esse jeito de amar. E mais uma vez ele se ofereceu para ser meu amor – Deixa de bobeira, John. Vá embora e me deixe chorar. Acho que ele sempre quis me salvar de tudo. Acho que naquela noite o expulsei do meu mundo.