Perseguição Ilusória
Até então ninguém tinha dado muita importância às mudanças de comportamento do tio Lázaro. Todos perceberam que ele estava saindo mais que o de costume e que sempre chegava tarde. Notaram também que ele constantemente se referia á supostos amigos e pessoas que ninguém na família conhecia.
Lucia, a irmã que morava no mesmo quintal, estava muito satisfeita, afinal, já estava na hora do irmão aproveitar a vida, conhecer gente nova e até namorar, pois não é “normal” um homem de 45 anos permanecer solteiro, praticamente sem vida social e vivendo apenas para os livros.
O agravante que fez com que a família observasse melhor suas atitudes aconteceu no dia em que chegou em casa um tanto nervoso (comportamento freqüente desde então, apesar de sempre ter sido um homem sereno), trancou-se no quarto em que as crianças brincavam e disse que estava sendo perseguido:
_ Fechem as janelas e apaguem a luz – foi a ordem que gritou para os meninos.
As crianças sem entender o motivo de tão abrupta ordem, perguntaram o porquê.
_ Eles estão atrás de mim.
_ Eles quem tio?
_ Os homens.
Os gêmeos, Caio e Mario, se entreolharam espantados. O que teria feito o tio para ser perseguido por alguém? Seria um marido furioso querendo tomar satisfações? Provável que não. O tio nada tinha de mulherengo, alias era até muito reservado para essas coisas. O que seria então?
Enquanto os meninos especulavam o tio correu até a persiana e observou pelas frestas o movimento da rua. Nada anormal, contudo ele continuava visivelmente assustado. E porque tinha vindo até aquele quarto se ele morava nos fundos?
Novas perguntas:
_ Que homens, tio?
_ Os homens da Dona Vitória.
Quem era Dona Vitória? E porque ela mandava esses homens virem atrás do tio? Questionaram em seguida.
_ Porque ela não quer que eu vá à delegacia.
As crianças continuaram sem entender nada. Nesse instante entra a mãe dos meninos no quarto e sem perceber a presença do irmão, exclama:
_ Porque vocês estão brincando no escuro, meninos?
_ Foi o tio, mãe. Ele chegou aqui e fechou tudo. Diz que está sendo perseguido por uma tal de Vitória que não quer que ele vá a delegacia.
Quando questionado pela irmã, Lázaro mostrou-se impaciente e pediu para que nada perguntassem por que ele nada podia dizer.
Depois disso os parentes achavam qualquer atitude muito suspeita e passaram a vigiar os seus passos. No que meu irmão esta envolvido? – se perguntava Lucia. O que o tio tinha aprontado? – se questionavam os sobrinhos.
Passado aquele dia as saídas de Lázaro tornaram-se raras. Parecia que ele estava com medo de sair a rua e ser perseguido novamente.
A irmã antes contente com a possibilidade de o irmão estar namorando, agora mal disfarçava sua preocupação e sempre que tentava persuadi-lo a contar o que estava acontecendo ele repetia que estava sendo vigiado por um chamado Geraldo Antonio e que por isso nada podia dizer.
Somente depois de um mês os familiares começaram a perceber que o “famoso” Geraldo Antonio não podia ser real, pois as supostas conversas que o homem dizia ter com ele ocorriam em horários incompatíveis.
Observaram também que o tio conversava sozinho em qualquer hora e lugar e entre outras mudanças perdeu o interesse por seus livros.
Lucia, desorientada passou a desconfiar que aquilo talvez fosse um caso de mediunidade, pois era evidente que o irmão conversava com pessoas que ninguém via.
Procurando ajuda foi indicada a uma benzedeira “muito boa”, pela qual soube que o irmão era vitima de um “trabalho” e que para curá-lo precisava pagar R$300,00.
_ Quem faria feitiço a Lazaro?
_ Você não disse que ele é muito inteligente?
_ Sim, ele é.
_ Então, filha. Isso atrai inveja.
Talvez fosse verdade. Não sabia mais em que acreditar. Estava disposta a qualquer coisa para ter o irmão de volta com seu temperamento tranqüilo, sua complacência e seu amor aos grandes pensadores.
Certa manhã, depois de tomar o café matinal que o “espírito” autorizava (nesse período Lazaro pedia autorização para quase tudo), ele olhou por um momento a irmã e sentenciou de forma pragmática o que ficaria marcado como mais uma demonstração da sua genialidade.
_ Incautos são os homens que procuram na fé as explicações para a ciência.
Lucia sentiu estranha paz por ter a lembrança de que naquele estranho homem ainda habitava seu doce irmão, com sua inteligência, suas citações (era um hábito) e humilde sabedoria. Ainda existia o homem que tudo sabia sobre Confúcio, Platão e de cor os poemas do Neruda.
Alguns dias depois, após uma violenta crise na qual ele acusava os familiares de se unirem em um complô para entregá-lo a Dona Vitória, o homem foi atendido por um médico que veio até a residência para curar um ferimento em Lucia.
_ Desde quando ele está com esse comportamento? – perguntou o médico.
_ Acho que já faz um ano. – respondeu a irmã.
_ Não é minha especialidade, mas sugiro que ele seja atendido por um neurologista, me parece um caso de esquizofrenia.
_ Esquizofrenia, doutor?
_ Sim, pelo que você me disse que ele conversa com pessoas inexistentes. Parece-me um caso de alucinação.
_ Será doutor? Tem horas que o que ele fala nos parece tão real.
_ Sim. Para ele é.
Depois dessa conversa e de uma série de exames clínicos ficou constatado que o médico tinha razão.
Realmente Lazaro estava esquizofrênico e logo começou a se tratar e ter controle com remédios.
Para todos ficou a lembrança de que mesmo quando estava louco, Lazaro conseguia ser brilhante, visto que ficou constatado o que ele mesmo tinha falado:
“Incautos são os homens que procuram na fé as explicações para a ciência.”