Manchete

Sete horas da manhã. João Trabalhador sai para a labuta. Com este nome, não podia ser diferente. Trabalhador mora em um conjunto habitacional, mas tudo o que mais quer é uma habitação de verdade. No primeiro ônibus (dos três até seu emprego) não há lugares.

Trabalhador vai em pé, porém não reclama. Ao menos com o ônibus cheio, não costuma ter assalto. O segundo também está lotado, mas Trabalhador tem azar. Um menor leva seu último relógio. Já no caminho do terceiro ônibus, Trabalhador vê uma mulher baleada, vítima de um assalto. Ela ao menos não sofreu, pois foi na cabeça. A de ontem havia levado três tiros na barriga.

Ao chegar na obra, Trabalhador chora. Esqueceu a marmita e já sabe que vai ficar com fome durante o dia. Só tem o dinheiro da volta. Se comer, dorme na rua. Na hora do almoço, Trabalhador faz hora extra. Sol alto, a fome aperta e as mãos apertam o saco de cimento. Uma batida de carros ao longe. Sirenes. Trabalhador agradece por não estar lá. Pensa em seus cinco filhos e na mulher. Trabalhador reza baixinho. Toca o apito. Fim do expediente, começo de mais um tiroteio entre as favelas que cercam a construção. Aliás, ele está ajudando a construir mais um conjunto habitacional. Trabalhador sente pena dos futuros moradores e de si próprio.

Onze horas. Trabalhador chega cansado. Cansado da labuta, do transporte, da vida. Sente vontade de ser importante, de não ver mais tanta desgraça. Ouve-se tiros. Trabalhador não mais vai sofrer, nem tão pouco ver tragédias. Mas não consegue ficar importante. Afinal, é só mais um suicídio de um trabalhador no Rio de Janeiro.

Trabalhador

não

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Isabelle Lindote
Enviado por Isabelle Lindote em 02/04/2005
Código do texto: T9361