Dilema de Ella
Ella andava com passos rápidos. Os cabelos levemente acariciados pelo vento.
Não se importava com o que via nem com como era vista, seguia sempre em linha reta, mirando o horizonte, não sorria.
Seus olhos queimavam numa indecifrável determinação, ocultando qualquer vestígio de fragilidade.
Vezes, ao cruzar com alguma criança ou animal, ou a contemplar algum singelo sinal de beleza da natureza, sorria e seu olhar volvia-se doce, não eram mais lacrimejantes nem indiferentes, mas revelavam uma discreta ternura, ora dissimulada, ora remanescente da dor do vazio.
Tinha certo instinto guerreiro, mas até então não encontrara causa pela qual lutar. Nenhum sonho, nenhuma paixão. Como fosse peça inerte no mundo, simplesmente sobrevivia.
Possuía um brilho peculiar, ou então queria possui-lo. Não se comportava como a maioria das pessoas... Ou talvez até se comportasse, no entanto, não se via como uma delas, algo que lhe era ao mesmo tempo penoso e objeto de orgulho.
Quem a visse jamais imaginaria o que realmente se passava por detrás daquele olhar fulgurante.
Era só uma garota indecisa, solitária e insegura. Não porque tivesse medo, nem porque gostasse de ser assim. Na verdade, sentia-se incompreendida, como não pertencesse a este mundo.
Tinha certo cuidado com as pessoas. Fazia de tudo para encantá-las, isso sem se deixar encantar. Egocêntrica, passava tempo pensando em si mesma e em porque era assim.
Sentia que certas pessoas a evitavam. Outras se faziam indiferentes. De certo modo já estava acostumada... Sempre tinha sido assim.
Princesa de um castelo de vidro, prisioneira numa bolha de sabão. Aparentemente estável, interiormente indecisa, ferida por alguma arma invisível.
Seu reino desabava a qualquer momento. Chorava até perder as forças e, repentinamente, recompunha-se a sorrisos e brincadeiras.
Sofria em silêncio certas dores que ninguém seria capaz de compreender.
“Isso passa”, muitos diziam, mas ela sabia que isso não era verdade.
Numa noite, quis pôr fim a essa angústia.
Não disse a ninguém o que planejara, até porque não planejara.
Era mais um sábado à noite... Como em tantos sábados, ali ficaria ela em sua casa, trancada em seu quarto, sozinha...
Observava a noite por uma janela enquanto tantos no mundo lá fora bebiam, “festavam”, divertiam-se e amavam...
Naquele momento, porém, ela não amava nada, não sentia nada, não entendia nada.
Certa força a tomou... Subiu na janela.
Queria se jogar dali, queria voar...
De olhos fechados, sorriu. Podia aquele ser seu mais sublime momento.
Flexionou os joelhos, tomou impulso, pulou.
Mas não voou.
Caiu no chão de cócoras, levantou-se, mirou a janela que ficava a exatos noventa centímetros do chão.
Riu de si mesma com sinceridade.
Já não tão frustrada, seguiu em frente com passos rápidos pelo quintal. Seus olhos queimavam mirando o horizonte...