Revolução dos Poetas
Caminhando pelas ruas da cidade grande, deparo-me com um anúncio de vaga de uma agência de emprego: Procuram-se Poetas. Só pode ser brincadeira, como podem zombar desta classe de pessoas que sabem muito que ser poeta é uma vocação. Aquele anúncio despertou minha curiosidade e entrei na agência.
— Gostaria de saber mais a respeito da vaga de poetas. – como foi estranho dizer aquilo: vaga de poetas.
— Pode se sentar ali que vou falar com a responsável pela vaga.
Sentei-me e minutos depois fui chamado por uma mulher.
— Olá meu nome é Clarice Meireles, acompanhe-me, por favor.
Segui a senhora, na verdade não passava dos quarenta anos, devia ter seus trinta e cinco. Entrei numa sala e me acomodei numa cadeira.
— Pensei que não viria ninguém.
— Mas sempre haverá um. Agora me diga, isso é sério?
— Seriíssimo.
— E para que querem um poeta?
— Para trazer mais poesia a vida das pessoas.
— Justo. Faz-se necessário. Mas como esse poeta trabalharia?
— De várias formas, poderia ser posto no governo, empresas privadas, comércios, conforme a vontade do meu cliente.
— E quem está te pedindo um poeta?
— Uma grande empresa multinacional. Você terá benefícios, uma sala só para você e poderá pedir os livros que quiser para montar sua biblioteca.
— Interessante. Quais são os requisitos da vaga?
— Ter experiência!
— E como vai se avaliar a experiência de um poeta?
— Suponho que você seja um. Sabe escrever sonetos? Tercetos, odes, quartetos?
— Mas isso são apenas formas. O que importa é o que está escrito e não o formato.
— Você faz uso da métrica?
— Não. Isso é uma opção.
— Sim, mas em se tratando de empresa eles querem do bom e do melhor.
— Estão errados.
— Fale isso para eles.
— Bom, a vaga é interessante, mas vejo que só eu apareci. Pagam bem?
— Não posso falar agora, mas depende da sua produtividade.
— Quer dizer que não importa a qualidade, mas sim a quantidade. Mais uma vez estão errados.
— Você vai querer ou não se candidatar a esta vaga?
— Sim, não tenho nada a perder. Ou vai-me dizer que vão registrar na minha carteira como “Prestação de serviços poéticos”.
— Então você fará uns testes.
— Que testes?
— Pra saber se você é poeta mesmo. Quem foi que inventou o soneto?
— Petrarca, mas na verdade dizem que ele apenas deu formas finais. Tanta fixação pelo soneto, vocês acham que poesia é só soneto. Se visse poesia concreta iriam mudar seus conceitos.
— Foi o que o meu cliente pediu.
— Escrever poesia é bem diferente do que pensam. Eu, pelo menos não fico pensando se vou escrever soneto, terceto, ode, enfim, é mais pela inspiração. Não fazemos um produto que pode ser submetido a um controle de qualidade.
— Vejo que é um poeta de verdade. — Tenho uma idéia melhor. Você irá selecionar os poetas que nossos clientes pedirem.
— Eu?
— Claro. Nada melhor que um poeta para escolher outro poeta.
— Não é bem assim que funciona. Tenho uma idéia pra você, já que querem trazer mais poesia para a vida social, então faça com que os candidatos leiam poesia e então vocês aplicam um teste para avaliar.
— Não dá certo. Eles vão ler a força o que iremos pedir e depois nunca mais vão querer saber.
— Tem razão.
— Bom, por mim você está contratado para esta vaga.
— Que bom.
— Apareça semana que vem na empresa para um treinamento.
— Treinamento?
— Claro, eles precisam treinar seus funcionários, para que sigam as boas práticas de fabricação, para que o ISO se mantenha, toda aquela política de qualidade.
— Mas eu serei um funcionário diferenciado.
— Meu caro, você terá que produzir e da forma que eles quiserem.
— Já vi tudo, mas aceito o desafio. Qualquer coisa eu peço as contas.
Duas semanas depois...
— Senhor Rodrigues, te encomendei três sonetos, quatro odes, cinco epopéias e até agora nada!
— Eu irei fazer, mas preciso de inspiração!
— Não precisa disso. Semana que vem faço cinqüenta anos de casado e quero uma poesia pra minha esposa como se fosse escrito por mim, próximo mês a empresa faz trinta anos e o presidente quer um acróstico.
— Mas senhor...
1 mês depois...
— Senhor Rodrigues, contratamos mais dois poetas para te auxiliar. Você será o supervisor. Distribua as tarefas.
2 meses depois...
A empresa estava com dez poetas, o investimento sobre mim no começo era grande, mas teve que ser partilhado para pagar o salário dos outros poetas.
4 meses depois...
Outro poeta foi contratado, mas era poeta coisíssima nenhuma, veio para tomar meu lugar, desconfio que tenha sido a pedido por um rival do meu chefe. Enquanto isso meu salário já não paga a biblioteca que estou montando em casa para ajudar no meu trabalho, pois até agora só me forneceram manuais de poesia confeccionados pela Garantia da Qualidade da empresa. Sem esquecer, claro, eu tenho que seguir Procedimentos operacionais padrão, definitivamente isso não é poesia.
6 meses depois...
— Chega! Eu declaro GREVE!
Reuni meus funcionários e saímos às ruas protestando com cartazes:
GREVE DOS POETAS!
QUEREMOS LIBERDADE DE CRIAÇÃO!
FIM AOS PROCEDIMENTOS OPERACIONAIS!
QUEREMOS MELHORES SALÁRIOS!
Depois desse episódio os ânimos se acirraram. Decidi criar um sindicato, pois já havia poetas no poder público, no comércio poetas recitavam poesias enquanto pessoas bebiam e fumavam, e nos motéis recitavam Bocage, nas filas das danceterias recitava-se Baudelaire. Criou-se então o Sindicato dos poetas com representantes de várias frentes. Tempos depois nos juntamos com cronistas e contistas e criamos o Partido Literário. E numa euforia acabei gritando sem querer ESCRITORES DE TODO O MUNDO, UNI-VOS. Com certeza, estava perdendo o foco, deixando de ser poeta para ser revolucionário. A eleição estava se aproximando e me candidatei à presidente.
— Acorda! Acorda!
— Que aconteceu? Ai que bom era um sonho.
— Se liga, a polícia vai te prender.
— Por quê?
— Eles estão prendendo todos os poetas do país e tudo isso por sua causa.
— Não haverá mais poetas?
— Maldito o dia que você aceitou aquele emprego. Desde quando uma multinacional contrataria um poeta para trazer mais poesia ao meio de trabalho. Isso é utopia.
— Eu não vou ser preso! Porque justamente nada disso existe. Isso é invenção minha. Isso não passa de palavras.
— Você está preso!
— Vão me prender numa jaula feita de livros?
— Como você sabe?
— Porque eu estou escrevendo isso, seu mentecapto. Agora vai embora, o conto já acabou.
Irônico, não? Ter escrito tudo isso e não ter nenhum verso. Eu, praticamente nada escrevi sobre poesia. Também vejo esse desvio de foco isso mundo a fora. Protestos que inicialmente tinham um propósito claro, mas que acaba descambando para violência, o mesmo para greves, revoluções, enfim. Longe de afirmar que é errado essas lutas, mas a partir do momento que há agressão todo o foco é desviado. Na minha humilde opinião, creio que ainda não sabemos resolver conflitos apenas com o diálogo. E quando se tenta sempre haverá um querendo impor a idéia ao outro. Óbvio que alguém tem que impor suas idéias, mas ninguém cede; afinal todos querem ter a razão.
05/04/08