Fragmento de um conto inacabado (um fragmento de Menina)

... nalgum momento, naquela cidade, alguém gritou: "Ainda saberei qual a verdade sobre isso tudo! Não ficará assim!" Um momento de perplexidade e ela se vira e vê: aquele senhor grita, resmunga, esmurra o ar, olhando para cima. Ela olha ao alto, nada vê. Olha para ele novamente: ele aponta o dedo em riste, com a face quase que lacrada de tanta raiva que expressava, de tanto ódio ao... nada!

Aquela moça fica por um instante ali observando a cena que muito lhe chama atenção. Porém, só dela. Todos os outros seres transeuntes nada percebem ou passam sem dar a mínima atenção. Ela fica curiosa com isso. "Ninguém aqui dá atenção à nada? Como pode?" Mas, naquela cidade, as pessoas - logo após um momento de observação a moça percebeu - não davam muita atenção às coisas: a paisagem, a vida em volta, em voga, em suma, só davam atenção, toda ela, aos seus próprios passos cambaleantes, à sua pressa infindável, ao seu próprio trânsito que foge dos passos outros, das pontas de guarda-chuvas, das poças, da própria multidão. "Parece-me, aqui, eles só querem chegar em algum lugar o mais depressa possível. Mas, onde? Ninguém aqui parece ter objetivo algum, apenas aquele momentâneo e imediato: conseguir continuar andando, quase correndo, sem parar para nada." Ela se volta ao senhor: ele ainda estava lá, mas, desta vez, calado, quase mudo, com olhar fixo nalgum ponto que, na verdade, parecia não existir. Algum ponto que ela foi buscar, foi se aproximando e, assim, chegou ao lado daquele homem. "Você vê, moça, consegue enxergar? Ele ainda não respondeu. E parece que não responderá nada tão depressa. Mas, encontrarei a verdade! Custe o que custar!" Ela o observa e apenas balança a cabeça de forma positiva. "Por que parou aqui, senhorita?" - pergunta aquele homem. "Não sei senhor. Apenas observo as manifestações de vida. Esses seres transeuntes que por aqui caminham, parecem não ter nenhuma intenção disso..." O homem a olha, observa por um instante, e diz: "Parece saber o que dizes." E caminha em círculos, bem calmo, como que pensando, e retorna à ela: "Continuemos..."