O contista
Olhar fixo, pensamento vago, sentia que o tempo congelava. Horas depois iam-se os sonhos, sentia-se incapaz. Isso deixava-o angustiado. Sonhava ser um escritor, forjar histórias, brincar de Deus, tornar possível o improvável. Em inúmeros lugares se fez presente, escondido por trás de arbustos e folhagens. Ficava ali na espreita, não perdia uma só diálogo, uma única ação, por menor que fosse era percebida. Era parte das histórias. Vez ou outra, era tomado por uma ira repentina, quando percebia que seus personagens tinham vida própria. Fazer o quê? Filhos são assim, concebemos e criamos, mas não controlamos.
Do real ao imaginário pouco percebia-se a diferença. Não tinha como saber se eram verdadeiras ou pura ficção suas histórias. Pareciam real sempre, mesmo quando eram improváveis. Muitas vezes ele pensava sobre isso, na existência de um mundo paralelo, onde a ficção era concebida, e que todos podiam entrar e ver quão real era. Defendia essa idéia custasse o que fosse.
Só precisava de provas e evidências da existência desse mundo. Sabia com entrar no universo paralelo e esse era seu trunfo. Fechou os olhos, deixou os barulhos urbanos irem-se, o silêncio veio, e aos poucos não sentiu seus membros, seu corpo. Pronto. Agora era só escolher onde ir. As possibilidades eram infintas. Por fim, optou pela simplicidade. Entrou em uma sala onde via-se um homem sentando atrás de uma escrivania, empunhando uma caneta a espera de uma inspiração. Ficou ali por quase meia hora observando o sujeito com o qual identificou-se. Decidiu caminhar em direção ao homem. Para não ser descoberto, resolveu flutuar, evitando barulho. Então, soprou nos seus ouvidos as primeiras palavras: "Olhar fixo, pensamento vago..." Nesse instante, algo fascinante aconteceu. Ele que passou a vida em busca de inspiração para escrever, era agora a própria, vindo do mundo real para inspirar um homem da ficção.
De fato é que aqui estou a escrever esse texto, creia você ou não. Só tenho dúvida se sou eu uma personagem que teve como inspiração o contista, ou se o contista é ficção. Se são mundos paralelos, talvez as duas questões sejam verdadeiras.