O telefone tocou insistente, deitada na poltrona atendi: - Alô, boa-noite, a senhora possui canal a cabo? Temos um plano em promoção excelente.

-Não obrigada, não estou interessada

-Mas é uma excelente oportunidade...

-Fica para a próxima

Desliguei. Não tenho tempo nem gosto de assistir televisão, por acaso estava em casa naquele sábado chuvoso.  Só havia filme antigo e programa de auditório de gosto duvidoso. Preguiça de andar até a locadora da esquina.

 O telefone tocou novamente:- Oi amiga, que bom te encontrar em casa, vamos tomar uma cervejinha?

Lorena.  Seis meses de sumiço. Toda vez que está namorando desaparece e esquece os amigos:- Brigou com o namorado?

-Pior, terminamos tudo, preciso tanto de companhia, espairecer, estou muito triste e sozinha

A bem da verdade, eu não tinha melhor opção e ainda havia o incentivo que Lorena sempre pagava as contas. Eu só precisaria ouvir e apoiar.

Marcamos em um Bar pertinho e em meia hora estávamos bebendo todas:- Eu não entendo o amor, isto é coisa inventada pela mídia, somos escravas das propagandas e destes comerciais de perfume francês:

- O quê? Agora a culpa é de alguém que pegou o amor, comercializou e ficou rico com a suas desventuras?

-Doença. É uma doença incurável. Sou uma mulher doente de amor

-Sei, aparece em exame de sangue? Isto está pior que novela mexicana. Garçom traz uma tequila?

-Claro que não, mas é pior que vírus e bactéria. Amiga, estou morrendo de tristeza

-Gostaria de ser menos cínica mas não faz parte do meu caráter. Acho que você precisa conhecer uma homem de verdade Lorena

Dez cervejas depois, Lorena maldizia todos os meios de comunicação. O governo, os sites de encontros , menos o garçom que não deixava a garrafa vazia e ligeiro trazia outra.
Eu já conhecia aquela história, nunca vi uma pessoa atrair tanto homem problemático.

Beirava ao bizarro suas conquistas, e confesso que as histórias de seus namoros eram folclóricas no meio dos amigos : - Éramos muito unidos, íamos ao Teatro Municipal, Concertos e livrarias. Tínhamos muita cumplicidade cultural

- E na cama?

-Sempre líamos antes de dormir, se o texto fosse muito interessante partilhávamos os melhores trechos

-E sexo? Não faziam nada?

-Tínhamos um amor imenso à literatura, cultura, Artes e sexo era complemento. Você não entende

-Está me chamando de burra Lorena? Nunca vi namoro mais esquisito.

Falei e me arrependi, começou a chorar e o monólogo não tinha fim:-Tudo começou quando ele sumia as sextas feiras e não atendia o celular. Depois eu achei um pé de sandália feminina debaixo do banco do carro dele

-E não fez nada?

-Ele explicou que visita os pais  todas sextas e desliga o celular.
 
A sandália era da mãe dele. Mas aí eu achei uma nécessaire com  ''Lucretina'' escondida no armário do banheiro . Fiquei furiosa

- Aquele sabonete íntimo feminino? Não vai me dizer que ele disse que era dele?

-Disse. Mas semana passada fui guardar uma roupinha no armário dele e achei 2 blusas de mulher. Ele explicou que eram da ex-mulher mas eles estão separados á 5 anos e achei um pouco esquisito

-Fácil, pelo ''modelito'' dá pra ver ser é atual ou retrô


-É atual. Fiquei tão magoada com Carlinhos. Mas ele disse que a culpa era minha.

-Lorena você tem doutorado em Psicologia , não raciocina?

-Não, eu entendi que ele não sentiu aquela emoção do amor por mim, pelo menos ele disse que não. Ele não se apaixonou. O que eu fiz de errado?

-Depois de tanto tempo juntos, convivendo neste paraíso intelectual, realmente é uma situação estranha menina. Mas não fique assim não, você sempre atrai estes sujeitos esquisitos, daqui a pouco aparece outro desajustado

-Acho que ele tinha problemas emocionais sérios, era muito inseguro, nervoso, devem ser traumas de infância

-E você não é terapeuta dele, vai diagnosticar seus pacientes Lorena. Carlinhos é página virada querida, esquece o traidor

_Mas eu amo muito, estou sentindo a maior falta dos nossos programas, conversas, dos filmes europeus, curdos, indianos, húngaros...

Lorena bebia e choramingava. Minha paciência estava no fim quando ela resolveu ir ao banheiro. 

Apesar de toda amizade eu não fui ajudar. Agüentar o bafo todo o percurso, chamar o porteiro para ajudar e possivelmente encarar o sofá da sala já eram castigos suficientes.

Mandei encerrar a conta e amparei a quase desfalecida até o carro. Durante todo o trajeto ouvi a conversa abafada, Lorena havia ligado para o ex-namorado as 5 da manhã e chorava desconsolada. Um teatro.

Se foi uma surpresa encontrar Carlinhos em frente ao prédio de Lorena com cara de sono e preocupação? Confesso que não:
- Eu vou incendiar seu carro e fazer escândalo na porta do seu trabalho. Vou descobrir quem é a sua amante e vou transformar sua vida em um inferno. Cansei de ser enganada Carlinhos, cansei...

Carlinhos estava com os olhos arregalados, mudo,  Lorena liberou a fúria com o poder do álcool. 
O todo certinho ex-namorado estava a ponto de fugir apavorado. Lorena pendurada no pescoço de Carlos não conseguia ficar de pé.

Passei o fardo adiante e segui tranqüilamente, parei na padaria e pedi uma média com torrada e queijo minas. Amo tomar café em padaria. Realmente aqueles dois se mereciam. 

Tenho o potencial de atrair coisas bizarras e presenciar cenas irreais. Vou procurar um grupo de oração ou assistir ''O Segredo'' .  Tenho uma amiga que assistiu 3 vezes ao dia e obteve milagres.
O amor realmente tem este poder de alterar os neurônios e a realidade? Não sei. De qualquer maneira vou instalar a Tv a cabo.

Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 31/03/2008
Reeditado em 12/06/2008
Código do texto: T924281
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