DO BEIJO QUE SE LEVA...
Eles se perceberam numa noite de quermesse cristã. Nos fundos da igreja de um pequeno lugarejo de sertão, quando e onde o primeiro beijo foi trocado. Um beijo curto e tão desajeitado que salvou o sabor das coisas apenas no pensamento... Ainda estavam na flor da idade. Tinham bons costumes, honravam suas famílias e temiam quaisquer destemperos da moral...
Um novo princípio de ósculo ocorreu num parque de diversões que se apresentava em visita ao interior. Eis que, ali, as mãos se tocaram... Uma conduziu a outra levemente ao caminho do beijo do outro que, respeitosamente, se inclinava. Este foi o mais delicado de todos e deixou-lhes um gosto de seda perfumado com lavanda...
Com o decorrer dos anos outros tantos vieram... Mas, sempre festivos com sabores de pipoca, de maçã do amor, de suco de uva e etc. Eram felizes e viviam com prazer. Alguns foram mais formais como o do casamento, à champanhe; e os das saídas diárias para o trabalho com o prazer do café. Mas, sempre bem carregados no paladar...
Entretanto, o tempo imprimiu a sua força e os beijos foram ficando mais resumidos, às vezes até silenciosos e escondidos, com o provar apenas de suor que, perseverantemente, se ocasionava à testa dela...
A mobilidade foi se perdendo e a distância aumentando na mesma intensidade das rugas que tomavam suas faces. Não havia mais rotina para beijos diários... Talvez um... E muitas vezes nenhum. Mas, o deliciar-se persistia! Minguado, num misto de sápido de talco e medicamentos. Mas, persistia...
O destino, considerando incoerente a fadada existência, consentiu o último afago do casal. Ele então a beijou docemente... Foi o beijo mais difícil que por eles fora dado. Tremido, desesperado e com um gosto de despedida eterna nas lágrimas e no cheiro de lavanda – que sempre fora o preferido dela.
Hoje, numa rotina diária, pontualmente às 18:00h ele chama o seu neto, apóia-se demoradamente no ombro dele, ergue a mão trêmula e pega no alto da estante, entre a TV e o relógio, um porta-retrato, temperadamente empoeirado, com a primeira foto que sua amada lhe ofereceu...
Resistindo heroicamente ao tremor das pernas ele se sustenta! Já compenetrado, sorri olhando nos olhos dela e a beija calmamente... O lento gesto lhe deixa um leve relevo de pó nos lábios. Ele gira a fotografia e lê a perpétua dedicatória:
“Querido, Virgílio. Esta é uma singela lembrança do nosso inicial encontro. Guarde-a como guardo na memória o sabor do primeiro beijo que tu me deste. Lembras-te que rimos rosadamente dele? Nunca esqueça disto! Conserve sempre nos seus lábios, que também conservarei nos meus, aquele gostinho de poeira que o vento nos trouxe enquanto surgíamos decididamente um para o outro. Amo-te muito. De sua eterna namorada, Tavinha.”