Sexta-feira, três da tarde
Curitiba, Janeiro de 2007. É uma sexta-feira, faz um belo sol na capital paranaense, onde o barulho dos carros e das construções é infernal, pois a cidade não pode parar. Em bairros mais afastados da região central, o som da grande urbe se contrasta com o cantar dos passarinhos nas árvores, mostrando que ainda existe o verde naquela que foi um dia a capital ecológica do Brasil. Enquanto isso, no Abranches, Pietrina Parpinelli está defronte ao computador, seus olhos verdes vasculhando a tela de LCD a busca de informações. Ele quer se informar a respeito de um show internacional que pode desembarcar em Curitiba. Curiosa, ela varre a tela a procura de alguma coisa. Procura, procura e não acha nada, a pesquisa foi em vão.
Decepcionada por não encontrar o que queria, Pietrina sai da frente do PC e deita um pouco na cama, tentando descansar sua vista tão forçada pelo monitor do computador. Ela fecha os olhos e resolve lembrar um pouco o passado. Ela acabou de passar por um evento traumático na sua vida: foi traída pelo seu namorado. E o pior de tudo: ela foi testemunha ocular do acontecimento, vendo tudo como uma espectadora, enganada pela ilusão de um relacionamento que era feliz. Ver aquilo foi como uma faca cravada em seu frágil coração, e aí não deu outra: partiu para cima de seu namorado e o desmoralizou em público. Mas agora, depois desse episódio vexatório em sua vida, ela relembrou os bons tempos que passou com ele: andando juntos pelo parque, no shopping, abraçadinhos no inverno debaixo de um cobertor, fazendo juras de amor eterno. E, pelo jeito, foi eterno enquanto durou. Ao remexer nas memórias dessa paixão despedaçada pelo adultério, Pietrina caiu em pranto.
Eram três da tarde. E eis que a campainha de sua casa toca. Ela fica pensando: “Será que é ele?” Mas depois ela relembra: “Não quero ver esse filho-da-puta nem pintado de ouro!”
Ela se levanta rapidamente e parte como um raio para a porta. Ansiosa, mal consegue olhar pelo olho mágico para ver quem é. Após 30 segundos a pessoa grita:
- Pietrina?
- Mateus?
Mateus era aquele amigo que Pietrina sempre confessava tudo, o “amigo-irmão”. Mas ela não esperava a visita dele naquele momento, logo nas férias de verão, onde os dois raramente se viram. Ela abre a porta e dá um grande e apertado abraço nele, que fica muito feliz por estar com ela.
- Quanto tempo, hein, Mateus!
- É, fazia tempo mesmo... Resolvi matar um pouco a saudade...
- E daí, o que conta de bom?
- Bem, agora tô trabalhando num escritório de arquitetura lá no Cabral, tá sendo muito bom! E você, o que anda fazendo da vida?
- Passei em Engenharia Civil na UFPR, mas não to lá muuuito bem.
- Fiquei sabendo... O Leandro te traiu na tua frente...
- Como você soube?
- A Patrícia, que faz arquitetura comigo na PUC, me contou tudo. Parece que não foi nada bom...
- Isso mesmo... Foi foda... Vamos pra sala conversar?
- Claro!
Pietrina e Mateus desceram para a sala, para poderem conversar mais confortavelmente, sentados nos sofás que a máter dos Parpinelli comprou havia um mês. Os dois se sentaram no sofá principal da sala, onde os dois se sentaram a seu modo, um ao lado do outro.
- Bem, como eu tava te falando, foi foda ver o Leandro me traindo na minha frente com uma daquelas patricinhas putas do Dom Bosco...
- Imagino... Mas você armou aquele barraco que me contaram ou distorceram a realidade?
- Pior que boa parte do que rolou foi mentira. A guria não fez nenhuma queixa contra mim na Delegacia, não tinha feito nada demais, só fui descontar a minha raiva nos dois.
- Mas não precisava agir dessa maneira, foi totalmente deselegante fazer tudo aquilo!
- Mateus, você não imagina a raiva e o ódio que eu senti por dentro de mim naquela hora. Foi algo repugnante, mas eu tinha que fazer aquilo, era pro meu bem.
- Entendo...
- Sei lá, quero deixar isso de lado agora. Tudo o que eu sentia por ele agora é passado. Quer assistir um DVD pra passar o tempo?
- Claro!
- Qual DVD você quer assistir?
- Pode escolher, fica a teu critério.
- Tudo bem, pode ficar frio que eu vou caprichar...
E eis que ela vasculha a prateleira de DVDs a procura de um bom título, seja ele qual for. Procura, procura e procura e escolhe o filme “Donnie Darko”. Pietrina coloca o DVD na bandeja e senta ao lado de Mateus. Aos poucos o filme vai se desenrolando. E ela começa a sentir algo mais que amizade por ele. Ambos assistem o filme abraçadinhos, como se estivessem no inverno, mas era verão. Era porque existia um laço de amizade entre os dois, mesmo que ambos não se vissem há algum tempo. Tentada a fazer uma pergunta sobre o filme, Pietrina fica meio receosa. Teme a reação de Mateus a tal questão. Mas ela desvencilha do seu medo e resolve perguntar.
- Mateus, o que você faria se o mundo acabasse em menos de um mês?
- Acho que eu gostaria de aproveitar ao máximo o tempo com as pessoas que amo, principalmente com o meu amor...
- Você acha que eu sou uma dessas pessoas?
- Com certeza – ele se aproxima do meu rosto – e você é a principal delas...
E os lábios de Pietrina e Mateus entram em conjunção. Ela sente aquele calor invadindo seu corpo, como se ele fosse tomado por uma grande emoção. Já Mateus sente faíscas para todo lado, como fios em curto-circuito, prontos para derreter o resto da fiação e queimar a casa. Pietrina beija seus lábios docemente, como se estivesse provando do mais saboroso mel.
- Pietrina, já que estamos aqui, porque nós não vamos aproveitar?
- Então, vamos, meu lindo... Tem uma camisinha aí?
- Claro!
E aquela visita sem nenhuma intenção virou numa grande tarde de amor. Pietrina ia navegando por aquele corpo, sentindo a forte e rascante fragância de seu perfume, deixando-a entorpecida daquele sentimento que todos perseguem: o amor. Já Mateus vai saboreando desse tenro e doce corpo de mulher, como se fosse a primeira vez. Os dois estão numa conjunção perfeita, como se fossem um só corpo, unidos e inseparáveis. Eram como se conhecessem há muito tempo, pois ambos respeitam o corpo do outro, como numa grande harmonia, uma grande paz que só o amor é capaz de fazer.
- Pietrina, você foi capaz de fazer a melhor tarde da minha vida... – disse Mateus, depois da transa, abraçado com Pietrina
- Obrigada! Você me levantou o astral, fez eu sentir leve como eu nunca me senti... – e Pietrina beija a cabeça de Mateus.
- Olha, eu não queria ser chato, mas já são sete horas, e já tá tarde. Preciso ir embora, senão minha mãe fica preocupada, e daí você já sabe...
- Não precisa ficar preocupado, você pode ligar daqui do telefone de casa... – diz Pietrina, um pouco preocupada com ele.
- Eu preciso ir, Pietrina. Não queria te machucar, mas eu preciso ir. To sentindo que alguma coisa ruim vai acontecer comigo. – diz Mateus, decidido.
- Não precisa ficar preocupado, não vai acontecer nada, você vai chegar em casa bem...
Mateus arruma suas coisas e resolve ir embora. Pietrina resolve o acompanhar até a frente da casa.
- O que a gente viveu nessa tarde foi magnífico e intenso. Espero que a gente possa viver momentos mais intensos do que esses em breve.
- Pode ficar frio, você pode me visitar a hora que você quiser, eu tô de férias...
- Passo aqui depois de amanhã, certo? E uma sexta-feira, estou certo?
- Sim! Vou te esperar, tá?
- Pode ficar despreocupada, eu venho, é certeza.
- Ta bom, meu lindinho... – e Pietrina dá um aperto nas bochechas lisas de Mateus.
- Então, vou indo. Tchau!
- Tchau!
Mateus se despede dela com um beijo. De repente, eis que aparece do outro lado da rua a namorada de Mateus, Mariana.
- Mateus Pereira Splitzmund! O que você tava fazendo na casa dessa puta? – diz Mariana, furiosa como um touro atrás do toureiro.
- Mas, Mari... – Mateus responde, meio sem reação, balbuciando as palavras.
- Olha aqui, não fale mais comigo, seu idiota!
Pietrina assiste a tudo e fica horrorizada. Mariana atravessa a rua e parte para cima de Mateus, cheia de ódio, e dá sucessivas facadas no rapaz. Pietrina tenta impedir, mas acaba levando uma facada no braço. Mateus agoniza como um soldado, e morre ali mesmo. Pietrina chora diante do cadáver daquele que poderia ter a redimido das traições e das tristezas desse cruel e fascinante jogo que é o amor, que se revela a cada armadilha que é montada.