Tango



                                   "
Una mujer debe ser 
                                                         soñadora coqueta y ardiente 
                                                         debe darse al amor 
                                                         (con frenético ardor) 
                                                          para ser una mujer "

                                                             Cesar Lacerda                      

                                                     


Num segundo ele está diante de mim e me toma pelas mãos. Uma indisfarçável atração me faz sorrir muito e ele sempre olhando vai me levando pro meio da pista. E, de repente, fica sério, cola sua mão direita à minha cintura e segura terna e firmemente minha mão. Mal percebo a sala cheia e as pessoas afastando-se diante dessa cena um tanto inesperada. Ouvem-se os acordes de um tango. Nossos pés movimentam-se inicialmente cuidadosos, até fluirem em uma coreografia vibrante. Minhas pernas ficam à mostra, envoltas em meias pretas transparentes,e uma fenda longa no justo vestido vermelho as deixa totalmente libertas. Apesar do silêncio da platéia, sente-se no ar o peso da presença daqueles corpos que vibram diante da cena. A grande penumbra naquele lugar de encontros furtivos esconde os caminhos percorridos por mãos e bocas, os corpos colados em movimentos febris. Aos poucos, eu e Ramiro vamos ficando próximos até eu sentir o latejar de seu corpo másculo. Nossas mãos erguidas colam-se nas palmas. Há um frêmito que beira à agonia. Ele começa a acariciar minhas costas nuas e vai descendo até abaixo da cintura, fazendo movimentos escandalosos. Meus olhos encontram os de um rapaz agarrado a uma zinha muito magra, de olhos escuros e fundos. Este parece hipnotizado e sinto minha pele queimar com sua fixidez aturdida. Ramiro fala ao meu ouvido: anda minha bela, bamos a bailar!
Estou descendo a rua embaixo de chuva e meus pés deslizam no chão batido escorregadio como sabão. Uma música vibrante de cadências bem marcadas chega aos meus ouvidos desatentos enquanto tento me equilibrar. E uma voz longínqua... "Mira, la bailarina!" Que sonho doido, penso, pois só consigo ouvir a voz de minha mãe dizendo pra eu me apressar com as compras, as compras... todo dia a gente tomava aquele café à noitinha, uma jantar composto de pão com o que houvesse, mas... e quem é esse homem que me abraça, como cheguei até aqui?
- Ramiro, eu estou meio tonta, falei enquanto pousava a cabeça em seu ombro.
Parecem séculos, eu crescendo na vila, depois indo estudar à noite, trabalhando na loja da esquina. Meu pai sentado nos degraus da nossa casa, tão abatido... nunca esquecerei aquele retrato...e nos olhamos num mudo entendimento. De que forma incompreensível sempre conseguia me sentir e eu a ele? Que mudo código de entendimento possuíamos? Como?... E quando saí de casa e fui morar em outra cidade, os olhos dele falando sempre muito mais, ele só disse: "tu vai ficar logo ali, atrás dos morros," referindo-se à serra junto à qual construiram-se várias cidades.
Um ruído de vidros estilhaçados me traz bruscamente à tona. Corpos movimentando-se em ondulações aceleradas vão ficando cada vez mais longe, até sumir. Ramiro puxa-me pela mão e corremos em direção a uma porta. Pega firme o meu braço e me põe pra dentro do quarto. Lá fora, uma briga fazia as tensões fluirem em socos e pontapés, com muitos gritos femininos.
Aquele é o seu quarto, onde ele descansa quando o movimento da boate diminui. Um pouso para casualidades como essa. Ele solta um palavrão e se queixa dos estragos com que vai arcar. Em seu portunhol de uruguaio há muitos anos no Brasil, vai lascando:
- E tu, chica, mi "princessa", quieres beber una "cevessa"?
Ah, ele é encantador assim, manso e carinhoso. Este é meu homem, Ramiro, que logo me abraça e me joga na sua cama. A "cevessa" pode esperar
...
tania orsi vargas
Enviado por tania orsi vargas em 09/03/2008
Reeditado em 20/03/2008
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