Tecendo destinos

Contar-vos-ei esta história a qual confesso, sem titubear, que mesmo tendo conhecimento próximo de alguns fatos, às vezes não acredito no que aconteceu. Mas garanto que ela é tão real quanto você lendo está agora.

Confesso ao leitor que meu discorrer não é, ou talvez não seja algo de principal aqui, mas o que lhes tentarei transmitir soara como algo que não se deve duvidar.

O principal que ressaltei – e de nada valeu – não passa, ou melhor, não ultrapassará o que proferirei...

Eu estava em frente da casa velha, a qual, toda a vizinhança arrebatava de comentários e vários “pareceres”. Nessa referida casa pairava uma imensa e incontestável assombração. Contava-se, e eu juntamente, que a casa padecia de sofrimentos em virtude de “maus espíritos”.

Peço, ao leitor, que desculpe pela quase ausência de parágrafos consideravelmente consistentes, mas, em virtude da necessidade de ser sucinto, buscarei este “afazer” da maneira que se segue...

O ano era o de um mil novecentos e noventa e nove. Éramos eu, mamãe, papai e irmãos.

Certo dia, em frente a nossa casa, um casal bem jovem aproximou-se e pediu informações.

- Tendes vós conhecimento acerca da residência frontal?

Papai e eu circulamos nossos pensamentos por mundos (no mínimo países) diversos até conseguirmos encontrar uma resposta àquela “língua” que a pouco nos direcionaram uma indagação. Papai olhava o céu. Eu também. Após alguns instantes de maquinação mental consegui dar uma resposta sobre a casa.

- Bem, senhor... A casa está sendo vendida. O proprietário deixou à venda em uma imobiliária...

- Muito agradecido! Respondeu o distinto senhor com uma voz grave e polida.

- Disponha cavalheiro. Retornei, com um tanto de receio no mesmo tom.

Como já lhes adiantei, o ano era... Na época estávamos todos vivos em nossa família, e a casa que por muito tempo se prostrava em frente a nossa, e que por outros tantos tempos estivera ali sem um único morador, salvo a enorme figueira que somente sombra lhe fazia, retornou a acolher novas vidas.

Junho iniciara com seus encantos. Balões resplandeciam no céu azul noturno enquanto a cidade, digo a vila, refletia uma alegria que adiante se obliteraria.

Quando ele e a esposa “fecharam” o contrato de compra da casa – a qual ficava em frente a nossa -, trouxeram “coisas” que na vizinhança não se vira nem na época dos reis que por aqui viveram. Confessa-se que era uma mobília de rei e rainha. De dentro dos suntuosos guarda-roupas via-se tirar vestes de um brilho e esplendor próprio dos deuses.

No dia que se segui após a entrada do casal na luxuosa mansão, nada, absolutamente nada, proveniente de lá fora ouvido; salvo o som da frondosa figueira nos dias de brisa ou vento forte, aragens ou sussurros.

Os anos se passaram, e o “intocável” casal, pelos domínios da invejada edificação, foi dando número à família; até que, no decorre de uns tantos ou muitos anos a rica prole já continha cinco elementos: o pai, que tempos depois se descobriu chamar Alberto; a mãe, que se chamava Amália; e os filhos, Alberto, Amália e Antonio, respectivamente o mais velho, o do meio e o caçula.

Tinha eu doze ou treze anos de idade, quando uma das maiores festas, dentre tantas, na casa aconteceu. Eu estava na janela do meu quarto. Tudo era tão lindo: as luzes, os casais, os carros, os risos, os gritos das crianças (que enchiam meu coração de uma alegria dantes não conhecida), o tilintar das taças, as lindas faces das mulheres, os “estranhos” bigodes dos homens, os brancos paletós dos garçons, as lindas pernas das garçonetes... Era algo que a simplória janela do meu humilde quarto, porém bem situada, poderia simplesmente dizer “posso morrer em paz”. Mas as janelas não morrem, podemos apenas destruí-las.

A festa acabou. As crianças foram dormir. Assim como o pai, a mãe, a vizinhança, a luz... Salvo a magnífica figueira.

Alberto, Amália e Antonio, no dia que vos relatarei, padeciam cada um de nove, seis e três. Amália, a mãe, banhava Antonio que sorria e esbaldava-se naquela ensolarada tarde de outono, em que uma leve e sublime brisa premeditava um tácito anoitecer. Alberto, o pai, ainda não voltara do trabalho; enquanto Alberto, o filho, imitava o que assistira num filme, desses que se apresentam punhaladas pelas costas. A vítima da cena: a irmã de seis anos. Nesse ínterim, Amália, a mãe, ao ouvir o estridente e sufocado som do grito da filha, abandonara o indefeso Antonio na banheira, que tempo algum demorou a ficar completamente submerso. Alberto, o filho, ao ver sua irmã sucumbindo frente à morte, escondeu-se debaixo do automóvel da mãe que, no desespero em ver a filha banhada em sangue o ligou e, sem ver o filho mais velho, desatinou ao hospital mais próximo. Não se dera, assim, por conta de que deixara o inocente Antonio afogar-se na própria banheira, e o “criminoso” Alberto falecido em sua garagem.

Amália, a filha, morrera pouco depois de dar entrada ao pronto-socorro. Amália, a mãe, fora levada após a notícia do falecimento dos filhos a uma clínica de recuperação – onde seis dias após entregara-se ao sono eterno – deixando Alberto, o pai, balançando-se em uma corda, ao sabor da brisa, sob a proteção da sombra da enorme, frondosa e magnífica figueira.

Gimi Ramos
Enviado por Gimi Ramos em 05/03/2008
Código do texto: T888300
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