Era uma vez um carro
Estaciona lentamente.
A menina, a seu lado, vira para trás e se espicha: pode vir. Mais um pouquinho, isso!
Desliga e entreabre um sorriso. Coragem, menina. Ela compreende - está aprendendo a compreender - e tenta devolver o sorriso de simpatia.
Ele a abraça. Menina, são muito simples os velhos. Eu sei, mas sempre fico um pouco nervosa.
Abraço caloroso, lhe dá ânimo. Todo de que precisa. Sensação de paz, de segurança.
Vamos. Vamos, claro que vamos. Ela enfia o braço no seu e ouve o soar da campainha. O som musical lhe faz bem.
De fato, ele tinha razão. A senhora tem um ar bondoso que atrai. O marido não está. Deve chegar logo.
Conversam como velhas conhecidas. Ele não parece muito satisfeito. Dá para perceber seu desagrado. E foi ele quem sugeriu a visita. Como entender?
Vamos? Agora é um convite manifesto, mais do que simples interrogação. Despedem-se e saem.
Sabe que estou com fome? Vamos comer no restaurante da esquina? O da Avenida? Aquele mesmo.
O fusca está espremido entre dois carros grandes. Ele manobra - vai para a frente, vai para trás - até que o carro, num ronco, deslancha. Ah! valente carrinho...
Uma mesa para dois. Eu queria que fosse sempre assim. Sérgio, eu espero que seja sempre assim.
Uma comida caseira, afinal a gente não pode gastar demais. Quem sabe um pouco de vinho? Bom, eu te acompanho.
O carro toma as ruas do centro e vai descendo devagar em direção da casa da menina.
Tu vens amanhã? Venho, venho sim.
O abraço, o beijo quente nos lábios, o carro deslizando rumo à esquina, sumindo no escuro da rua...
O carro está vazio. Mudou de cor. A mesma placa, mas um tom levemente mais escuro. Ou é outro, ou foi pintado. Ela caminha em frente, o coração regride no tempo. O carro continua no mesmo lugar. Vazio