Uma Vez Flamengo

UMA VEZ FLAMENGO...

Estava numa dúvida atroz. Não sabia se devia aceitar o convite para ir ao Maracanã ver o Flamengo jogar. Afinal, há mais de 50 anos que não freqüentava mais as arquibancadas do estádio. Não sabia bem porque, mas o meu coração fora invadido por uma onda de nostalgia. Uma saudade gostosa abrigou-me no peito. Um filme passava por minha cabeça. Um filme ocorrido lá pelos anos 50. Naquela época, todos os Flamenguistas da Rua Catete e adjacências se encontravam em frente ao Palácio da República. Dali, promovíamos uma algazarra infernal. Todos se tornavam colegiais em férias. Uniformizados e com a bandeira do clube nas mãos, lá íamos nós rumo ao Maracanã. Não havia limite de idades. A única condição exigida pelo grupo era que fosse torcedor do Flamengo.

Antes de seguirmos para o Maraca, era obrigatório uma parada no bar do português Oliveira. Como todo lusitano, Oliveira era torcedor fanático do Vasco da Gama, o que lhe valia muitas gozações. Depois de uns chopes, pegávamos o bonde e lá íamos nós felizes e contentes.

Havia um torcedor ilustre no grupo. Era o grande cantor Ciro Monteiro. Este, todas as vezes que podia, ia assistir seu Mengo jogar. Depois de uma longa viagem, chegávamos ao local do jogo. Procurávamos a entrada que nos conduziria ao lado esquerdo das tribunas de honra, onde se localizava a torcida do Flamengo. Era lá que ficava a Charanga, a primeira torcida organizada no Brasil, chefiada pelo grande e saudoso Jaime de Carvalho. Nossos lugares já estavam devidamente marcados pelas bandeiras do clube.

Quando chegávamos, a charanga do Flamengo, invariavelmente, atacava com um sucesso do Ciro.

"De dia me lava a roupa

De noite me beija a boca...”

Começava o jogo, começava o sofrimento... A cada gol nosso, pulos, abraços, gritos e lágrimas de felicidade. A volta podia ser alegre ou triste. Dependia do resultado do jogo.

Em caso de vitória, a alegria era total. O bloco vitorioso ia caminhando até a Praça da Bandeira. A cada encontro com a torcida adversária, eram inevitáveis as gozações. A chegada à Rua do Catete, tinha uma parada obrigatória no bar do Oliveira. Era chope, batatinha frita, cantoria, alegria que não cabia no peito. Ali proclamávamos que o Flamengo era invencível. Que não havia time no planeta capaz de nos vencer.

Mas, se o Flamengo tivesse perdido o jogo, a volta mais parecia um velório. O clima ficava pesado. A turma ficava tensa. O juiz, como o mordomo dos romances policiais, era sempre o culpado. Nossos jogadores eram invencíveis! O Flamengo não perdia nunca! Nesse caso, parávamos no bar do Oliveira, onde afogávamos as mágoas. A tristeza era total até o domingo seguinte, quando começava tudo novamente. Com esperanças renovadas, lá íamos nós, novamente, ao templo sagrado do futebol torcer pelo Mengão. Assim era a nossa turma. Éramos alegres, felizes, despreocupados com as agruras da vida. Nada nos impedia de torcer pelo clube do nosso coração.

Por onde andará aquela turma? Bem, alguns já devem ter partido para uma outra dimensão. Esse deve ser o caso do Amaral, o Tal. O Tal, aí agregado ao nome Amaral, vem da existência de um personagem do programa Balança Mas não Cai, da Rádio Nacional. Seu Amaral era um humorista nato. Estava sempre de bem com a vida. De tudo fazia uma piada Havia também o Horácio, um mulato que mais parecia um armário. Era o nosso segurança. Como brigava aquela cara! Havia a doce Helena, namorada do Helinho, bonita pra chuchu. E o Heraldo, o filósofo? Era um cara semi-analfabeto, mas metido a falar bonito. Bastava ouvir uma palavra nova para empregá-la de qualquer maneira. Muitas vezes de maneira incorreta. E havia eu. Um menino deslumbrado com tudo aquilo. Por ser o mais jovem, era o mascote. O protegido. O caçulinha, como era chamado carinhosamente pela turma.

Esse era o nosso grupo de flamenguistas! Alegre, divertido, unido! Na verdade, éramos uma família. Uma família rubro-negra, é verdade, mas uma família com certeza.

Por isso, estava em dúvida. Como voltar ao Maraca sem a minha turma? Nem o bonde existe mais! Não há mais a Charanga do saudoso Jaime de Carvalho. Até o Maracanã encolheu! No meu tempo, o Flamengo botava fácil, fácil 150 mil torcedores. Agora, 84 mil tá de bom tamanho. Tá lotado! O bar do Oliveira, tragado pela obra do metrô, desapareceu juntamente com o bom portuga. Não há mais como zoar. No seu lugar, surgiu uma lanchonete de luxo que não tem nada com a nossa história.

Não! Não vou! Vou assistir ao jogo pela televisão. Beber uma cervejinha sem álcool, já que da outra estou proibido pelo médico, e torcer como nos velhos tempos por mais uma vitória das nossas cores.

Se, por acaso, o Flamengo perder, me deixem bater na madeira para isolar, vocês podem ter certeza de uma coisa: o culpado pela derrota foi o juiz, aquele ladrão filho-da-puta!

Gama gantois
Enviado por Gama gantois em 29/02/2008
Reeditado em 29/01/2016
Código do texto: T881279
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