Um lamento ao som dos Hermanos
Chegou em casa depois de um longo dia paulistano: cansado.
Passava pela sala, absorto, quando, sem perceber, disse:
- Boa noite.
- Boa noite. Vai lanchar? Perguntou a velhinha levantando-se do sofá, mas ainda atenta ao primeiro capítulo da novela.
- Não, obrigado. Disse ele por dizer.
Tirando a mochila e as roupas, adentrou-se ao quarto - era lá o seu lugar. No quarto - como sempre fazia - trancou-se além da porta. Cheirava a conforto e estava tudo muito em seu lugar: lençol e colcha sobre a cama como uma obra de arte, a pequena mesa de madeira, livros todos em ordem em sua velha estante e um violão no canto.
Viera pensando, no caminho que andava todos os dias, nas palavras que ouvira de um amigo: “Cara, ela tá namorando!”
Pronto, estava tudo acabado. Pensava ele: “é o fim”.
Ligou o mini-system. Ao som da música desejava dançar, mas não o sabia. Quis cantar, mas sua voz lhe entristecia, parecia mesmo o clamor de um mártir. Rouco. Baixo. Doloroso. E solitário. Pensou em Deus, achou tarde. As palavras que ouvira soavam num jogo de sons, cheiros, pensamentos em seus ouvidos, junto à canção que ouvia. Tentava lembrar-se de momentos bons, de risos, mas era inútil o passado. “A vida é agora”. Sabia disso, lera um poema que dizia algo assim. Sabia. Mas quis fingir não saber. E por não poder fugir nem fingir, viveu o agora. Chorou.
“De que adianta agora, essas canções?” Pensava consigo. Tanto amor derramado. De que valia agora? A vida já não tinha mais sentido.
Sempre soube da mentira, mas insistiu em crer na verdade. Havia verdade? Ele sabia que sentir era profundo demais para se dizer se sentia ou não. Resolvera sentir, era fraco. Entregara-se como se entrega o sol a cada manhã. Nem percebera e já estava inebriado.
E, então, os pensamentos voavam sobre sua cabeça, como urubus atiçados sentindo cheiro de morte. Pensamentos negros... Pensou em se matar. Considerou ser jovem para tanto. Seria melhor viver - ou melhor - existir. Não queria deixar lacunas. O peso da vida estava sobre si - a vida que ele já não sabia se era verdade.
Deitado em sua cama tentava refletir, mas não cabiam em sua mente pensamentos retos, consertados. Pensava em vazio. Pensava torto. Tentava encontrar culpa em fatos, em atos. Tinha de haver razões. Mas a verdade é que não, nunca há. Queria pensar e chegar aos sentidos, mas o momento e a mente não deixavam.
A velhinha ainda assistia o primeiro capítulo de sua novela. A canção, sem nada perceber, continuava a tocar. O violão, no canto. Os livros empilhados em ordem continuavam da mesma forma: em ordem. A pequena mesa: estática. O lençol e a colcha pouco desarrumados, em contato com o quente, faziam um balé de frio e calor, mas ainda eram os mesmos.
Nada mudara. Sim, todas as coisas estavam em constante mudança, mas nada o percebia. Ele, porém, parou no tempo. E deixou de querer, entregou-se. Até que o sonho, empurrado pelo desânimo, esbarrou levemente em seu corpo. Como inevitável seria, dormiu.
E no silêncio do sono, como que um presságio, a canção ecoava: “Esse é só o começo do fim da nossa vida”.