Jaca em Caldas

Jaca em Caldas

Edmundo um nordestino, sacudido recém chegado à cidade maravilhosa morava com a sua bela esposa, na Rua Taylor bem coração da Lapa. Estava casado há pouco e sua mulher estava no segundo mês de gravidez. Diante do estado da esposa, Edmundo a cercava com todo cuidado e carinho. Satisfazia ao todos os seus desejos, desde os mais simples ao mais complicado. Marido exemplar não deixava faltar nada a aquela que seria a mãe do seu filho. Amélia sentia-se uma rainha e às vezes exagerava nos seus pedidos.

Certa vez, durante uma madrugada Amélia sentiu estranho desejo de beber leite de cabra. Ora, se tal produto já bastante difícil de ser encontrado numa cidade como o Rio de Janeiro durante o dia, imagine á noite. Marido zeloso e preocupado com saúde da mulher e do bebê, lá se foi o nosso herói a luta. Não podia falhar. Não queria que seu filho nascesse com alguma deformação por causa de um desejo da sua esposa não satisfeito.

Voltou lá pelas 15h00 exausto, no entanto, feliz da vida trazendo nas mãos dois litros do precioso líquido. A mulher agradecida cobriu-lhe de beijos e de atenções. Na verdade, formavam um casal perfeito. Tinham nascido um para o outro, pelo menos era o que se diziam todos aqueles que os conheciam. De fato, a felicidade tinha endereço certo. Morava na Rua Taylor.

Assim, entre um desejo da esposa e a chegada do herdeiro aquele casal de nordestino ia levando a vida na Cidade Maravilhosa. Amélia, a cada dia tinha os mais estranhos desejos sempre satisfeitos pelo marido. Edmundo era um marido exemplar. Certa ocasião, Amélia teve uma vontade muito forte de comer doce de abóbora com coco. Acostumado com as extravagâncias da mulher, lá se foi o nosso bom Edmundo em busca daquela iguaria. Mas, onde arranjar tal quitute num domingo de carnaval. No entanto, o desejo de esposa era tão forte que não lhe restou outra alternativa. Calçou umas chinelas velhas, uma bermuda desbotada e um blusão puído e foi à luta.

O problema era onde procurar e como encontrá-lo, pois, num dia como aquele o comércio estava todo fechado Somente funcionava os botecos, aliás, sempre cheios de fregueses ávidos por uma cervejinha ou um chopinho bem gelado. Edmundo perdido na multidão não sabia por onde começar. De repente, um rebuliço, dos diabos, toma conta do Largo da Lapa. Um corre-corre da multidão teve início. Um empurra daqui, empurra dali acaba levando o nosso pobre homem para os lados da Cinelândia. Naquele momento, aproximava-se carregando mais de quatro mil componentes o famoso bloco de embalo Bafo da Onça. Edmundo passava o seu primeiro ano de folia na cidade. Sempre tivera uma imensa curiosidade em saber como era o carnaval de Rua do Rio de Janeiro. Embevecido pela música e com coro dos componentes do bloco foi se aproximando. Estava maravilhado com o ritmo e o balanço da música Mais a sua atenção, de repente, ficou voltada para o requebro e a malemolência da bela morena que empunhava o pavilhão do bloco.

Embevecido pelo gingado, pela destreza e a elegância da mulata, Edmundo foi no embalo da agremiação. Não conseguia desviar o olhar da. Esta ao perceber que estava sendo notada pelo rapaz, começou a jogar para ele toda a sua sedução. Edmundo estava cada vez mais encantado. Queria se aproximar, mas, não sabia como, pois a bela rapariga estava sempre cercada de admiradores. Apesar de todo o assédio que sofria, a sambista retribuía o sorriso e o olhar daquele admirador anônimo. Daí a mais pouco, começaram a linguagem dos sinais. Era sorriso ali, um piscar de olhos marotos mais adiante, um sinal com as mãos marcando encontro.

. O bloco seguia seu caminho. Agora estava em plena Avenida. Rio Branco. A multidão se comprimia nas calçadas para ver a famosa agremiação do bairro do Catumbi. Edmundo continuava seguindo a porta-estandarte. Um pensamento lhe assaltou subitamente. E doce da sua mulher? Pobre Amélia estaria esperando cada vez mais aflita. Bem, daria um jeito de encontrá-lo. Haveria de encontrar algum supermercado de prontidão, afinal, estava no Rio. Agora, era à hora de olhar e quem sabe aproveitar aquele belo corpo da mulher que se retorcia freneticamente, acompanhando o balanço do samba entoado pelo grupo carnavalesco. Afinal amor de carnaval não cria raízes, pensou com seus botões.

Quando o bloco terminou o seu desfile foi à senha para que Edmundo se aproximasse. Em pouco tempo pintou entre os dois um clima romântico. Depois de algum tempo conversando sobre futilidades, aliás, como quase sempre acontece nessas ocasiões resolveram sair dali em direção ao bar mais próximo, onde beberam algumas cervejinhas, comeram umas batatinhas fritas, trocaram algumas carícias. Era sem dúvida alguma um início de um romance. Enlevados pelo sonho do amor, e envolvidos pela atmosfera carnavalesca que os envolviam, não se deram conta que à noite havia estendido seu manto negro pela cidade. Então, resolveram terminar aquele encontro na casa da bela mulata, que morava ali, bem pertinho na Rua do Senado. Foi uma noite inesquecível.

Às duas horas da manhã, Edmundo acordou assustado. Tinha perdido a hora. Que desculpa daria a sua mulher que com certeza deveria estar bastante preocupada com sua demora? Bem, lhe diria das dificuldades em encontrar o doce que ela tinha encomendado. Só então se deu conta que não tinha doce nenhum. Àquela hora da noite, seria impossível encontrar algum supermercado aberto.. Estava ferrado, pensou. Já começava a pensar na bobagem que fizera. Afinal não era feliz com a sua mulher? Pois então? Era ou não era um homem realizado? Sempre soube que trair e enganar nunca foram os melhores caminhos para se trilhar, principalmente se houver no meio um sério compromisso. A mentira tem perna curtas, pensou. Já estava começando a ficar arrependido do seu ato. Mas, ao olhar aquela escultura de carne, em forma de anjo sentiu certo alívio. Como homem, não podia rejeitar. Afinal, um caboclo sacudido igual a ele não, não podia deixar passar em branco aquela oportunidade. Era uma questão de honra. Aquela mulher nada representava para ele. Era apenas um troféu conquistado. Como um caçador que abate a sua presa e depois a coloca na parede da sala para exibi-la.

Percebendo a aflição do pobre rapaz, Pérola, era esse o nome da mulata, quis saber a causa de tamanha ansiedade. Ao saber o motivo, abriu-se num enorme sorriso de felicidade.. Então lhe disse que ganhava a vida vendendo doces e que abóbora com coco era uma das suas especialidades. Era uma doceira respeitada na cidade. Pessoas vinham de longe comprar seus doces. A aflição deu lugar ao alívio. Estava salva a pátria. Pegou o doce depois de agradecer efusivamente e partiu rapidamente em direção a casa. Pegou o primeiro táxi que surgiu e implorou ao motorista que o levasse o mais depressa possível. Seu coração estava disparado, um friozinho na barriga e uma sudorese descabida surgiram como conseqüência do seu impensado ato.

Quando chegou encontrou a sua residência á escura. Abriu a porta bem devagarinho e foi entrando na ponte do pé. Para a sua grande surpresa, Amélia dormia candidamente. Despiu-se rapidamente e deitou-se ao lado da esposa. Já mais calmo e já podendo respirar normalmente começou a recordar o sonho que vivera aquela noite. Dos carinhos da maravilhosa Pérola. Acabou adormecendo com o pensamento na bela mulata.

Pela manhã, ao acordar foi encontrar sua esposa, se deliciando com o doce que lhe trouxera na véspera. Amélia revirava os olhinhos e deitou falação sobre a qualidade do doce. Nunca comera um doce de abóbora com coco tão delicioso. Edmundo estava feliz e aliviado. Felizmente tudo dera certo. Logo após o almoço quando se preparava para tirar uma soneca, Amélia começou a ter um novo desejo. Com doçura na voz. Pediu ao marido que comprasse com urgência um novo doce. Agora, gostaria de comer doce de jaca em caldas. Edmundo adorou. Seu primeiro pensamento foi para a porta-estandarte do Bafo-da-Onça.

Assim que o marido saiu para satisfazer o desejo da esposa, entrou Ricardo um carioca sarado que Amélia conhecera na fila do banco.

- Você tem certeza de que seu marido vai demorar?

-Claro, meu amor! Desta vez, inventei que queria comer doce de jaca em caldas. Divido que volte logo.

Ambos caíram numa estrondosa gargalhada.

Gama gantois
Enviado por Gama gantois em 25/02/2008
Reeditado em 29/01/2016
Código do texto: T874897
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